Ordem investiga alegadas práticas de angariação de cliente de advogados que lucraram com sefarditas
Os visados são advogados com ligações à Comunidade Israelita do Porto que lucraram com processos de nacionalidade de descendentes de judeus sefarditas. Averiguações vão ser feitas pelos conselhos regionais de deontologia, os organismos da ordem com competências disciplinares.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, decidiu esta sexta-feira mandar abrir uma investigação disciplinar para apurar eventuais práticas de angariação de clientes por parte de advogados com ligações à Comunidade Israelita do Porto que lucraram com processos de nacionalidade de descendentes de judeus sefarditas, na sequência de uma notícia divulgada esta sexta-feira pelo PÚBLICO.
Isso mesmo foi anunciado pela Ordem numa nota divulgada à imprensa, na qual se adianta que estas práticas violam três normas do Estatuto dos Advogados. A primeira estabelece que “o mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante”, a segunda determina que é dever do advogado “não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa” e a terceira diz que o defensor “não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente”.
Face à notícia do PÚBLICO, diz a nota, Menezes Leitão decidiu “solicitar de imediato aos competentes órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados (OA) a urgente investigação e a actuação disciplinar adequada às situações agora denunciadas”. As averiguações terão que ser conduzidas pelos conselhos regionais de deontologia, os organismos da ordem com competências disciplinares.
O PÚBLICO noticiou esta sexta-feira que a Comunidade Israelita do Porto (CIP) indicava aos interessados em obter a nacionalidade portuguesa por alegadamente serem descendentes de judeus sefarditas dois escritórios de advogados que integram profissionais com ligações à própria entidade religiosa portuense. Esta comunidade e a de Lisboa são responsáveis pelo processo de certificação de descendentes de judeus sefarditas (um poder delegado pelo Estado português), fundamental para a posterior atribuição da nacionalidade. No entanto têm práticas distintas, com a comunidade de Lisboa a não recomendar escritórios de advogados.
O PÚBLICO teve acesso a vários e-mails enviados pela entidade judaica portuense em resposta a perguntas sobre o processo de certificação de descendentes de judeus sefardita, onde são expressamente referidos o escritório de Mónica João Teixeira (MJT) e o Yolanda Busse, Oehen Mendes & Associados (YBOM&A).
“Uma vez que o requerente tenha recebido um certificado da Comunidade Judaica do Porto [a CIP] atestando os seus laços com uma comunidade sefardita judaica de origem portuguesa, é prudente que procure aconselhamento jurídico na preparação e apresentação ao Governo português dos documentos necessários para a candidatura à nacionalidade portuguesa”, começa por sublinhar a CIP num e-mail de esclarecimento enviado ainda em Fevereiro deste ano.
"Advogados que normalmente trabalhem com a comunidade"
“Existem 30.000 advogados em Portugal e muitos outros advogados no seu país”, refere de seguida, antes de indicar duas opções: “Advogados que normalmente trabalham para a Comunidade Judaica do Porto: Sra. Mónica Teixeira (monica@mjt.com.pt) e ‘Yolanda Busse, Oehen Mendes & Associados’ (www.ybom.eu).”
Na MJT trabalha como colaboradora a advogada Isabel de Almeida Garrett, familiar de Francisco de Almeida Garrett, a figura proeminente da CIP, conforme foi revelado pelo PÚBLICO, em Fevereiro deste ano. Com o cargo de vogal da direcção, o descendente directo do romancista e dramaturgo português, é sobrinho de Maria de Belém Roseira, antiga ministra, deputada e ex-candidata à presidência da República (2016) – e proponente do artigo da Lei da Nacionalidade que concedeu, em 2013, a possibilidade de naturalização aos descendentes de judeus sefarditas.
Isabel de Almeida Garrett exerce também funções na sociedade de advogados do pai de Francisco de Almeida Garrett (João de Andrade de Almeida Garrett), onde está igualmente a morada profissional do membro da direcção da CIP, de acordo com a Ordem dos Advogados (AO). Trata-se da PGE Advogados, uma sociedade do Porto fundada na década de 1960.
A ligação da CIP à segunda sociedade, a YBOM&A, surge através de Dara Jeffries, que foi vice-presidente da comunidade judaica (pelo menos até Janeiro deste ano), e que já pertenceu também ao conselho fiscal deste organismo. Licenciada em Direito pela Universidade Católica do Porto, Jeffries foi sócia sénior desta empresa durante mais de 15 anos (apesar de não ter nenhuma referência à mesma no seu perfil na rede social profissional Linkedin). Neste momento, a advogada aparece com a inscrição na OA portuguesa “inactiva”.