Paris oferece 9700 milhões para nacionalizar eléctrica francesa EDF

Governo propõe 12 euros por acção, um prémio de 53%, pelo capital que ainda não controla. Quer também adquirir as obrigações convertíveis que estão em mãos privadas, para reestruturar o maior operador europeu de reactores nucleares.

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O nuclear é a principal fonte de produção da EDF (cerca de 60%). Reuters/BENOIT TESSIER

O governo francês dá 12 euros por acção da eléctrica francesa EDF, propondo-se a pagar 9700 milhões de euros para nacionalizar a empresa e adquirir os 16% de capital que o Estado ainda não detém. O preço oferecido corresponde a um prémio de 53% face à cotação da Électricité De France (EDF) a 5 de Julho, véspera do anúncio da intenção de a nacionalizar, que foi confirmada no dia seguinte pela primeira-ministra Élisabeth Borne.

O interesse na nacionalização surge no momento em que Paris procura respostas para uma crise energética europeia. A EDF é o maior produtor francês de energia e o maior operador de reactores nucleares na Europa. Mas é também uma empresa com diversos problemas operacionais que poderão prejudicar ainda mais os resultados financeiros e agravar as contas do grupo, que lidava com uma dívida de 43 mil milhões de euros.

O governo francês, que controla em nome do Estado 84% de capital da EDF, acredita que o controlo público total da empresa facilitará uma reestruturação quer das contas, quer operacional. Há centrais nucleares a precisarem de manutenção ou melhorias urgentes e no contexto actual a empresa tem recorrido a compras no mercado grossista para cobrir as suas próprias quebras de fornecimento. Essas compras reduzem ainda mais os lucros, que já estavam a ser afectados pelas medidas legislativas que o executivo francês pôs em prática para mitigar o preço da energia nos consumidores finais durante esta crise energética.

As acções da empresa, cotada na bolsa de Paris, foram suspensas na semana passada, ao preço de 10,25 euros, até que fossem dados mais detalhes, que estavam prometidos para esta terça-feira. No regresso à negociação, o valor das acções subiu cerca de 15%, para 11,74 euros, por volta das 11h (hora de Portugal continental).

Nos últimos 30 dias, as acções da EDF passaram a valer mais 47,5% (ganhos de 3,78 euros), com a escalada a ter início logo após a notícia de que o governo francês queria reconquistar o controlo total da empresa. Jean-Bernard Lévy, presidente da empresa tanto no conselho de administração como na comissão executiva, tinha mandato até 2023, mas na sequência daquele anúncio mostrou-se disponível para deixar os cargos antecipadamente.

A empresa anunciou nesta terça-feira a constituição de uma comissão ad hoc dentro do conselho de administração para nomear um avaliador independente. A opinião deste avaliador será a base da opinião que aquele órgão irá emitir a propósito desta Oferta Pública de Aquisição (OPA).

Os planos de reprivatização (a EDF deixou de ser 100% pública em 2004) incluem a compra de 16% do capital que se encontra disperso e também de 60% das obrigações convertíveis que não estão nas mãos do Estado francês. Para a compra destes títulos, Paris oferece o preço unitário de 15,64 euros.

Embora haja analistas a pôr em dúvida a eficácia desta privatização como solução para os problemas operacionais e financeiros da EDF, a compra destes títulos de dívida pode ser instrumental par reduzir os custos de financiamento e, dessa forma, libertar recursos para financiar o plano de expansão com seis novos reactores nucleares que a EDF tem em carteira. Nesta altura, a França estaria a exportar electricidade para outros países como Espanha, Suíça, Alemanha ou Reino Unido. Ao invés, está antes a importar e o receio de que a falta de energia se agrave no próximo Inverno levou Paris a considerar a renacionalização da EDF como uma forma reforçar a segurança e autonomia energética da França.

Esta OPA deverá ser registada em Setembro e o processo pode estar concluído em Outubro, com a saída da empresa da bolsa. O Estado só precisa de controlar 90% do capital para retirá-la da bolsa. A EDF cotava a 33 euros por acção em 2005, bem abaixo da cotação actual.

A empresa tem 32,5 milhões de clientes e pouco mais de 167 mil funcionários. Em 2021, facturou 81 mil milhões de euros, para 18 mil milhões de euros de resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA na sigla inglesa). O resultado líquido foi de 4700 milhões de euros.

O nuclear é a principal fonte de produção da EDF (cerca de 60%), mas as previsões da empresa para 2022 incluíam uma redução de cerca de 40 TWh (terawatt hora) face à produção nuclear de 2021. Isso pode ter um impacto negativo de até 16 mil milhões de euros no EBITDA em 2022, calculou a empresa em Março.

Há outros impactos materiais diversos estimados: a inflação e os preços crescentes na energia poderiam acrescentar até 6000 milhões de euros ao EBITDA; porém, as chamadas “medidas regulatórias” (isto é, das decisões legislativas para mitigar o impacto da subida da factura energética nos consumidores) poderão cortar até 10 mil milhões de euros nesse mesmo EBITDA.

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