Directora da Documenta de Kassel abandona o cargo sob acusações de anti-semitismo
Sabine Schormann não resistiu à polémica desencadeada por uma obra de um colectivo de artistas indonésios que mostrava um porco fardado com “Mossad” escrito no capacete e um judeu ortodoxo com a insígnia das SS no chapéu.
A directora-geral da Documenta, Sabine Schormann, deixou o seu lugar no sábado na sequência de acusações de anti-semitismo dirigidas a esta prestigiada exposição internacional de arte contemporânea, que se realiza a cada cinco anos na cidade alemã de Kassel, e cuja 15.ª edição abriu no passado dia 19 de Junho.
Segundo um comunicado do conselho de supervisão da Documenta, tanto este órgão como os accionistas da exposição e a própria directora-geral “concordaram em rescindir sem aviso prévio o contrato” de Sabine Schormann, cujo sucessor interino deverá agora ser anunciado proximamente.
Embora a polémica em torno do alegado anti-semitismo do evento tenha eclodido ainda antes da inauguração, o episódio que acabou por levar à saída de Schormann foi a exibição de um mural de grandes dimensões criado pelo colectivo de artistas indonésio Taring Padi, People's Justice (Justiça do Povo), que entre as múltiplas personagens retratadas inclui um porco fardado em cujo capacete se lê a palavra “Mossad”, designação dos serviços secretos israelitas, e ainda uma figura de olhos raiados de sangue, charuto ao canto da boca, cachinhos laterais no cabelo, como os usados pelos judeus ortodoxos, e que tem na cabeça um chapéu de coco preto com a insígnia das SS nazis.
A Embaixada de Israel na Alemanha reagiu logo após a abertura da exposição, afirmando, em comunicado, a sua “repugnância” pelos “elementos anti-semitas exibidos publicamente na exposição Documenta 15, que considerou “reminiscentes da propaganda usada por Goebbels e pelos seus capangas durante os tempos mais sombrios da História alemã”.
Se a diplomacia israelita defendeu, no mesmo comunicado, que “todas as linhas vermelhas” tinham sido “não apenas ultrapassadas, mas destruídas”, também a ministra da Cultura alemã concordou que o mural tinha atingido “os limites da liberdade artística” e pediu que o colectivo indonésio rauangrupa, a quem foi confiada a curadoria desta Documenta, assumisse “as necessárias consequências”.
Os próprios criadores de People’s Justice, versão revista de uma obra exposta pela primeira vez na Austrália, em 2002, asseguraram que o gigantesco painel visava a ditadura militar de Suharto e o rasto que esta deixara na Indonésia actual, e não tinha quaisquer intenções anti-semitas. Desculpando-se do sofrimento que pudessem ter involuntariamente causado, dispuseram-se a tapar o mural, propondo que a obra assim coberta fosse vista simultaneamente como “um monumento de luto pela presente impossibilidade de diálogo” e “ponto de partida de um novo diálogo”.
O mural chegou de facto a ser tapado, mas a polémica não abrandou e, na noite de 21 de Junho foi mesmo desmontado, com os visitantes a dividirem-se entre vaias e aplausos.
Já este mês, aumentando a pressão sobre Schormann, a realizadora, artista visual e académica Hito Steyerl, muito prestigiada internacionalmente, decidiu retirar-se da exposição, acusando a direcção da Documenta, numa carta publicada no jornal Die Zeit, de não ter sabido lidar com as acusações de anti-semitismo. E o director do Centro Anne Frank, Meron Mendel, que tinha sido contratado como consultor externo para avaliar o possível anti-semitismo de outras obras expostas e promover o diálogo entre artistas e críticos, bateu com a porta, afirmando à imprensa que se sentira “usado como cobertura”.
Anteriores acusações de anti-semitismo, como as que condenaram, já em Janeiro, o facto de os curadores terem convidado a participar na Documenta o colectivo palestiniano The Question of Funding, cujos artistas apoiam o boicote cultural a Israel, foram afastadas, em nome da liberdade artística, pelo rauangrupa e por Schormann, cujas posições foram então apoiadas pelo conselho de supervisão.
Mas a polémica em torno do mural do grupo Taring Padi e o crescendo de críticas levou este órgão, que integra dez elementos, incluindo representantes do executivo autárquico de Kassel e do governo regional de Hesse, a reunir-se de emergência na sexta-feira à noite. Segundo um relato do jornal Franfurter Allgemeine, a discussão prolongou-se até depois das duas horas da manhã de sábado, com a ministra das Artes do Governo de Hesse, Angela Dorn, entre as vozes mais críticas do modo como Schormann vinha gerindo a polémica, e o presidente da Câmara de Kassel, o social-democrata Christian Geselle, a procurar ainda defender a manutenção da directora-geral, que acabou mesmo por cair.
A ministra da Cultura alemã, Claudia Roth, do partido Os Verdes, já saudou a saída de Sabine Schormann e o Conselho de Supervisão afirmou, no seu comunicado, que “é essencial esclarecer rapidamente este incidente” e “extrair as devidas lições”, lamentando os “danos significativos” infligidos à reputação da Documenta, cuja presente e controversa edição se prolongará até 25 de Setembro.