Quando ocorre um incêndio, é libertado para a atmosfera monóxido de carbono (CO), poluente que pode provocar problemas de saúde. Existe a ideia de que o leite é um antídoto desse poluente. Mas esta quarta-feira, a propósito de mais uma vaga de fogos em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) voltou a lembrar que essa ideia é simplesmente um mito desprovido de fundamentação científica.
O mesmo diz a pneumologista Paula Rosa, que, ao PÚBLICO, aproveita ainda para explicar o porquê de o CO ser perigoso. Segundo a especialista, esse composto químico liga-se à hemoglobina, proteína que transporta o oxigénio (O2) dos pulmões para os vários tecidos do corpo, “com mais afinidade” do que o O2. “E com o monóxido de carbono ligado à hemoglobina, o oxigénio não consegue ligar-se”, afirma, comentando que há uma competição entre os dois compostos químicos e o CO barra o O2.
O que explica o facto de a ligação do CO à hemoglobina ser “mais ávida” que a ligação do O2? De acordo com Paula Rosa, tem a ver com a estrutura química dos dois compostos. “O oxigénio está feito para ter a capacidade de se ligar e desligar facilmente, de modo a que possa ser distribuído pelos tecidos”, explica a pneumologista, antes de dizer que, como a ligação do CO é mais forte, também é preciso mais tempo para ele se separar da hemoglobina. “Não é um processo imediato. E o oxigénio não pode ser distribuído enquanto esse processo não terminar”, insiste.
A especialista realça que, por norma, os efeitos da inalação de CO não tardam a surgir. O primeiro sintoma costuma ser uma dor de cabeça. Outra manifestação habitual: dificuldades respiratórias, que são tão mais acentuadas quanto maior for a concentração de CO inalado.
Essas dificuldades respiratórias podem, em pouco tempo (uma questão de minutos), conduzir a problemas ainda mais significativos. “Com a diminuição dos níveis de oxigénio no cérebro, uma pessoa que tenha inalado muito monóxido de carbono começa a apresentar sonolência. Pode desmaiar e os seus órgãos podem começar a falhar. O processo pode continuar até resultar na morte”, refere Paula Rosa.
A melhor protecção: ficar em casa
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) emitiu esta quinta-feira um comunicado em que dá vários conselhos para minimizar os riscos respiratórios durante os incêndios. A associação diz que o melhor é a população permanecer “no interior das habitações, mantendo as portas, janelas e tampas de lareiras fechadas”. “Se precisar de ir para a rua, numa zona com fumo, utilize um pano molhado para tapar o nariz e a boca”, aconselha a SPP, que continua: “Utilize sistemas de purificação de ar, se os tiver. Se tem ar condicionado, deve accionar a opção de recirculação de ar. Não utilize aparelhos eléctricos se o incêndio é na sua habitação ou no seu prédio.”
“Se tiver de atravessar, de carro, uma zona com fumo, mantenha as janelas e os ventiladores fechados. Se o carro tiver ar condicionado, ligue-o em recirculação”, continua a SPP, que também dá algumas indicações para quem puder estar dentro de portas. “Se permanecer em casa, não fume. Também não acenda velas nem qualquer aparelho que funcione a gás ou a lenha. Se a temperatura estiver muito elevada dentro de casa e se não tiver ar condicionado, procure outro abrigo ou tente ser evacuado para uma zona com menos fumo”, diz a associação.
O mito de que o leite é um antídoto, explica a organização Cancer Council Australia (num texto em que desmonta a noção de que beber leite pode proteger operários dos gases tóxicos que são libertados nas fábricas), está relacionado com o seu teor em cálcio. A ideia é a de que “o cálcio ‘satura o corpo’, prevenindo-o de absorver” substâncias perigosas. Mas a DGS reforça que isso não tem fundamentação científica. O organismo liderado por Graça Freitas sustenta que o leite não é um antídoto do monóxido de carbono e diz que, em casos de inalação, não se deve atrasar o tratamento hospitalar adequado.
A actual onda de calor começou a 6 de Julho. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o tempo quente e seco deverá manter-se até este domingo. Esta quinta-feira, o Copérnico, programa europeu de observação do planeta, divulgou um mapa mostrando o risco de incêndio na Europa para o dia de hoje. Portugal está, quase na totalidade, na categoria de “risco extremo”. E o Sul do país (Alentejo e Algarve) surge num tom ainda mais escuro, que remete para “risco muito extremo” de incêndio.