O Grande Lago Salgado do Utah está a secar e ameaça um desastre ecológico e económico
Do leito seco do lago levantam-se tempestades de poeiras que ameaçam a saúde da população de Salt Lake City. Mais de 330 espécies de aves vivem ou passam por ali todos os anos em migração. Para manter o lago, é preciso deixar fluir mais água para lá.
O nível de água no Grande Lago Salgado do estado do Utah (Estados Unidos) caiu para o mais baixo desde que há risco neste mês, ao fim de uma seca de duas décadas. É um marco triste. Cientistas e políticos sublinham as graves ameaças à vida selvagem e aos habitantes das margens do lago, que recuam cada vez mais.
A metrópole próxima de Salt Lake City, com mais de um milhão de pessoas na sua área metropolitana, já sofre com tempestades de areia que os especialistas temem que se tornem piores. “Para salvar o Grande Lago Salgado, e para que não nos transformemos na Cidade do Lago de Pó, é preciso tomar uma decisão consciente de que o lago é valioso e é necessário pôr lá mais água”, disse o geofísico especialista em estudos da atmosfera Kevin Perry, que tem andado de bicicleta pelo leito seco do lago desde 2016 para estudar a sua composição.
Durante anos, a água que deveria ir para o lago foi desviada para consumo humano, para a indústria e a agricultura. Esse desvio, combinado com a seca prolongada, que tem sido exacerbada pelas alterações climáticas, tem deixado exposto cada vez mais o leito do rio.
A 3 de Julho, a superfície do lago caiu para o nível mais baixo desde que começaram a ser feitos registos, em 1848, para uma média de 1277 metros acima do nível do mar, de acordo com os Serviços Geológicos dos Estados Unidos. Espera-se que baixe ainda mais até chegar o Outono, ou até ao princípio do Inverno, quando entra mais água no lago do que aquela que se perde em evaporação.
O lago contém agora pouco mais do que um quarto do volume de água que tinha no ano em que esteve mais cheio, em 1987, dizem os Serviços Geológicos. Perdeu quase metade da área de superfície em relação à média histórica, deixando expostos 2000 km2 de leito do lago – um valor semelhante ao da Área Metropolitana do Porto, em Portugal.
Camadas de terra que antes estavam debaixo de água fazem remoinhos no ar, transformando-se em nuvens de pó misturado com cálcio, enxofre e arsénico – este último, um elemento que ocorre naturalmente, mas que está relacionado com cancro e malformações congénitas. O leito do lago exposto também está contaminado com resíduos de minas de cobre e de prata.
“Para quem respira estas poeiras durante muito tempo, durante décadas, isso pode levar ao aumento da incidência de diferentes tipos de cancro, como cancro do pulmão e da bexiga, doenças cardiovasculares, diabetes e outras”, disse à Reuters Perry, que trabalha na Universidade do Utah em Salt Lake City.
Mas não são só os seres humanos que correm riscos. Há estruturas submersas semelhantes a recifes no lago onde vive num micro-organismo que é o alimento dos crustáceos do género Artemia, também conhecidos como camarões-das-salinas, que por sua vez são uma fonte alimentar importante para as aves. Mas estas estruturas secam e tornam-se cinzentas quando ficam expostas, sem estarem debaixo de água.
Alvin Sihapanya, investigador no Instituto do Grande Lago Salgado no Colégio de Westminster, tirou duas mãos-cheias de água onde nadavam Artemia. “É super-triste e uma desgraça que estas criaturinhas fiquem expostas”, disse Sihapanya. “No ano passado não estava assim.”
Dez milhões de aves todos os anos
O lago tem uma grande biodiversidade. Estima-se que dez milhões de aves de mais de 330 espécies passem pelo lago na sua migração todos os anos, ou façam dele a sua casa, disse Max Malmquist, do programa de Lagos Salgados da Sociedade Nacional Audubon.
Metade da população norte-americana do pato-de-rabo-alçado-americano vêm ter as suas crias aqui no lago, e outra espécie de pato, o zarro-americano, faz aqui o ninho. Cerca de 90% dos mergulhões-de-pescoço-preto que existem em todo o mundo têm as crias no lago, alimentando-se da abundância de Artemia.
A Artemia também é explorada comercialmente – faz parte de uma economia gerada pelo Grande Lago Salgado que está avaliada em dois mil milhões de dólares anuais.
Com a atenção pública e a pressão para agir a aumentar, o governador do Utah, Spencer Cox, assinou 11 leis relacionadas com a conservação ou outras políticas relacionadas com a água na última sessão legislativa. Mas para soluções a mais longo prazo é preciso que grandes consumidores – agricultura, indústria, municípios – consumam menos água e a deixem fluir em maior quantidade para o lago.
“Estamos a atingir recordes de níveis baixos das águas e todo o valor que obtemos a partir do lago começa a estar em risco”, disse o membro da Câmara de Representantes estadual do Utah Tim Hawkes. “E isso está a criar pressão política para fazermos alguma coisa”, afirmou.