Realizador Jafar Panahi preso no Irão
Deslocara-se ao gabinete do procurador público para indagar sobre a prisão no dia 8 dos seus colegas Mohammad Rasoulof e Mostafa Al-Ahmad. É a terceira prisão de um cineasta no espaço de uma semana. Os observadores assinalam um retrocesso conservador no regime que governa o Irão.
O realizador iraniano Jafar Panahi, Leão de Ouro de Veneza por O Círculo e Urso de Ouro em Berlim por Taxi, foi preso esta segunda-feira enquanto visitava a prisão de Evin, em Teerão, noticiou a agência Mehr (via AFP). Panahi deslocara-se ao estabelecimento prisional, ao gabinete do procurador público, para protestar ou indagar sobre a prisão no dia 8 dos seus colegas Mohammad Rasoulof (o realizador de O Mal não Existe) e Mostafa Al-Ahmad. A detenção de Rasoulof e Al-Ahmad, de acordo com a revista Hollywood Reporter, ocorrera na sexta-feira depois de ambos, como outros profissionais do sector cinematográfico iraniano, terem denunciado a violência usada pelas autoridades do país nas manifestações de Maio contra o desmoronamento de um edifício em que pelo menos 41 pessoas morreram. A polícia terá usado bastonadas e gás lacrimogéneo contra os manifestantes, noticiou na altura a agência de notícias norte-americana Associated Press (AP), citando a sua congénere iraniana IRNA.
A prisão de Panahi é, então, a mais recente de uma série de detenções de figuras da dissidência do regime iraniano que parece evidenciar um retrocesso conservador. Ele próprio tem sido um dos mais visados pelas autoridades, pelo menos desde 2001, por ser autor de “propaganda contra o sistema”. Encontrava-se aliás neste momento impedido de sair do país, mesmo para filmar (pena que fora também imposta a Rasoulof). Os dois tinham sido detidos em 2011 por estarem a filmar sem autorização. Foram condenados inicialmente a uma pena de seis anos de prisão. Que foi reduzida no caso de Rasoulof. E que foi convertida em prisão domiciliária no caso de Panahi.
Jafar Panahi tem, apesar disto tudo, um filme a estrear, No Bears, que se espera chegue ao circuito dos festivais internacionais no Outono - recorde-se que um dos seus filmes, Isto não é um Filme, rodado no momento em que aguardava o veredicto de um recurso interposto pelos seus advogados, chegou ao Festival de Cannes em 2011 numa pen USB dentro de um bolo. No Bears será a sua primeira ficção desde Três Rostos, prémio de melhor argumento em Cannes 2018, que ele não pôde receber por estar proibido de sair do Irão.
A semana passada, Kaveh Farnam e Farzad Pak, produtores de Mohammad Rasoulof, enviaram à imprensa um comunicado, através do distribuidor Kino Lorber, condenando as prisões de 8 de Julho e revelando que Rasoulof e Al-Ahmad estão detidos em local incerto. “Para além de condenarmos veementemente as autoridades pelo desrespeito pelos mais básicos direitos humanos e liberdades cívicas e pela persistente repressão e pressão infligida nos cineastas iranianos independentes, exigimos a imediata e incondicional libertação dos nossos colegas. Pedimos o apoio de artistas e de cineastas de todo o mundo”.
O Festival de Cannes respondeu a esse apelo, condenando firmemente a “vaga de repressão visivelmente em curso” no Irão contra os seus artistas. Exige a libertação imediata de Rasoulof, Al-Ahmad e Panahi. Declara-se como um “refúgio para todos os artistas do mundo inteiro”. E põe-se ao seu serviço para divulgar “alto e bom som as suas vozes”, e assim “defender as liberdades de criação e expressão”.
A distribuidora Leopardo Filmes, que por exemplo lançou em Portugal O Mal não Existe, e o Lisbon & Sintra Film Festival associam-se a este protesto.
As salas portuguesas, que têm sido razoavelmente bem visitadas pelas novas investidas do cinema iraniano – ainda há duas semanas chegou um surpreendente A Lei de Teerão, de Saeed Roustayi, cineasta que viu há dias o seu último filme, Leila's Brothers, ter exibição recusada pela censura iraniana –, preparam-se para, dia 22, receber Hit the Road/Estrada Fora, de Panah Panahi, o filho, de 37 anos, de Jafar, montador da penúltima longa-metragem do pai, 3 Rostos.
Pertencendo a uma nova geração, constituindo um cinema diferente ou que negoceia uma distância face ao peso de figuras da geração anterior, como Abbas Kiarostami ou Jafar Panahi (remetemos, aliás, para a entrevista que publicaremos com o filho Panah no suplemento Ípsilon dessa semana), as imagens de Hit the Road podendo ser diferentes das que associamos ao cinema iraniano jogam ainda com os seus motivos, o carro, as estradas a serpentearem pelas encostas. Mas fazem-nos participar do transtorno ciclotímico que afecta a família do filme: um pai (perna engessada, impossibilitado de agir – a geração do pai de Panah, o próprio pai de Panah?), a mãe (notoriamente bipolar), a criança (virada para o karaoke – elemento disruptivo) e o irmão mais velho, o tipo soturno que conduz o carro até uma fronteira e transporta com ele o coração do filme: a vontade de abandonar o país.