Grandes grupos de baleias-comuns de regresso à Antárctida
Avistados aglomerados de até 150 animais a alimentarem-se em conjunto, como quase não há memória de ver. É um sinal de recuperação das populações das baleias-comuns, cuja caça foi interditada em 1976 no Pólo Sul.
As baleias-comuns-do-sul, as segundas maiores do mundo (podem atingir 27 metros), foram quase levadas à extinção pela caça comercial. Mas a sua caça foi proibida no hemisfério Sul em 1976, dez anos antes da moratória mundial. Esta protecção parece estar a dar frutos: cientistas alemães relatam ter observado grandes grupos destas baleias, que podem ter até 150 membros, a alimentarem-se em conjunto perto da Ilha Elefante, na Antárctida. “É a primeira prova de que as baleias-comuns do hemisfério Sul recuperaram, e que têm mesmo hipóteses de sobreviver e voltar a ter grandes populações”, disse ao PÚBLICO Helena Herr, a primeira autora do estudo publicado nesta quinta-feira na revista Scientific Reports.
“Vimos baleias-comuns a alimentarem-se em conjunto em grandes grupos, a cooperarem para se alimentarem, num grande frenesim. Era uma situação com grande actividade e muito espectacular”, descreveu a cientista do Centro para a Investigação sobre Sistema Terra e Sustentabilidade da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, numa videoconferência. “Isto é um comportamento que não era observado há muito tempo”, explica.
Há relatos históricos que indicam que provavelmente as baleias-comuns faziam a mesma coisa antes de começarem a ser caçadas industrialmente. “Temos relatos escritos do início do século XX, feitos por caçadores que iam para o Pólo Sul a descrever que as baleias se aproximavam muito, e que a água estava coberta de baleias. Provavelmente viram algo semelhante”, explica Helena Herr. “Mas as baleias-comuns foram caçadas quase até à extinção, portanto não observávamos este comportamento há muito tempo”, concluiu.
Calcula-se que em 1976, quando foi proibida a caça desta espécie no hemisfério Sul, mais de 700 mil indivíduos tenham sido mortos durante o século XX. Raramente eram avistados nas zonas onde tradicionalmente se juntavam para se alimentarem, escreve a equipa de Herr na Scientific Reports.
A equipa fez duas expedições, uma em Abril de 2018 e outra em Março de 2019 – a segunda com uma equipa da BBC, que gravou imagens para o documentário One World, Seven Seas, narrado por David Attenborough, e que serviram aos cientistas para estudar as baleias. “Nós mostrámos-lhes as baleias, e eles deram-nos os vídeos para podermos fazer ciência. Ambos ganhámos. E claro que foi muito bom poder mostrar ao grande público estes grandes agregados. As pessoas gostam de ver baleias”, explica Helena Herr.
Os cientistas registaram 100 grupos de baleias-comuns que tinham até quatro indivíduos, e oito aglomerados especialmente grandes, que tinham até 150 baleias-comuns, a alimentarem-se em conjunto. Até agora, 13 era o máximo de baleias-comuns que tinham sido vistas a alimentarem-se em grupo. A partir destes dados, os cientistas calculam que exista uma população de 7909 baleias-comuns na área de investigação, com uma densidade de 0,09 indivíduos por quilómetro quadrado – o que é alto, se comparado com outras zonas, como o Sul da Califórnia (0,003 baleias por quilómetro quadrado).
E o que comiam as baleias? Krill, que é o nome colectivo dado a um conjunto de espécies de animais invertebrados semelhantes ao camarão, e que servem de alimento a baleias e outros animais. É muito rica em krill a área em torno da Ilha Elefante – para onde o explorador Ernest Shackleton e os seus companheiros zarparam em três botes salva-vidas, depois de passarem algum tempo a comer focas e pinguins para sobreviver, depois de o seu navio, o Endurance, ter ficado preso a cerca de 161 quilómetros do seu destino, no início de 1915. “A ilha está quase livre de gelo no Verão antárctico, mas é conhecida por ter uma grande abundância de krill. Muita da biomassa de krill está nesta área”, conta Helena Herr.
Para os cientistas, é a oportunidade de ver novos comportamentos das baleias-comuns, que não tiveram oportunidade de estudar durante o período da caça comercial. “É uma história triste, mas a maior parte das coisas que sabemos hoje sobre as baleias tem origem nas observações dos caçadores, que escreveram o que foram aprendendo sobre elas. Após ter terminado a caça, restaram tão poucas baleias-comuns que era difícil estudá-las. Só agora, que temos mais baleias outra vez, é que teremos oportunidade de as estudar melhor”, diz a cientista.
Os pólos são as zonas mais sensíveis às alterações climáticas. Isso põe em causa estas populações de baleias a recuperar da quase extinção? “As baleias que se alimentam na Antárctida são ameaçadas pelo aquecimento global, porque afecta o gelo, e krill precisa do gelo para o seu ciclo reprodutivo. Se se houver menos gelo, haverá menos krill. E se houver menos krill, isso será mau para as baleias. Portanto, sim, as alterações climáticas afectam as baleias”, respondeu a cientista.
O que a equipa de Helena Herr está a fazer agora é a tentar descobrir de onde vêm estas baleias-comuns que se aglomeram junto à Ilha Elefante. “Só estão lá na estação em que é possível alimentarem-se e depois deixam aquela área, mas não sabemos onde é que passam o resto do ano. Seria importante saber, por exemplo, qual o local onde se reproduzem, para podermos protegê-las melhor”, explicou.
“Neste momento, estamos a instalar transmissores via satélite nas baleias-comuns, para podermos acompanhar a sua migração. Teremos uma grande missão no ano que vem, em que vamos colocar o máximo de transmissores que for possível. Com com sorte, poderemos descobrir para onde migram estes animais”, conta Helena Herr, que faz um balanço muito positivo desta descoberta junto à ilha Elefante: “É um sinal positivo de que provavelmente teremos baleias no futuro.”