Onde nunca chove, Aïda fotografou quem caminha horas atrás de água

“​No Ocidente, damos por garantida a facilidade com que acedemos a água potável, refere a artista e fotógrafa etíope A​ïda Muluneh. Em Afar, na Etiópia, “​és constantemente recordado de que nem todos têm a mesma sorte

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Nunca chove nas planícies de sal de Dallol, na região de Afar, no norte da Etiópia. É, por isso, um dos sítios mais quentes do mundo, com temperaturas médias, ao longo de todo o ano, de 36ºC, podendo mesmo atingir os 50 graus durante o dia. Foi o lugar escolhido pela fotógrafa Aïda Muluneh para a série de fotografias que tem como tema central a escassez de água — e o peso dessa carência no quotidiano de mulheres e meninas africanas.

“No Ocidente, damos por garantida a facilidade com que acedemos a água potável”, refere a artista etíope, num vídeo da organização WaterAid, que comissionou o trabalho. “​Mas num lugar tão remoto e tão seco como o Afar, és constantemente recordado de que nem todos têm a mesma sorte. As planícies de sal da depressão de Danakil são um lugar inigualável”, adjectiva Aïda. “Realizar o trabalho neste espaço coloca a questão de como é possível sobreviver neste solo ressequido, onde não há nada à vista.”

São sobretudo as meninas e as mulheres africanas que percorrem grandes distâncias ao longo de várias horas, diariamente, cumprindo a missão de transportar água desde a fonte até a sua aldeia ou casa. “Sempre que viajo no continente africano vejo aquela fila de mulheres à espera de água  vejo sempre mulheres, nunca homens  recorrentemente a segurar naqueles jerricãs amarelos”, descreve.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas, as mulheres e meninas da África subsariana passam, em conjunto, 40 milhões de horas por ano a recolher água, “o que equivale a um ano de trabalho de toda a mão-de-obra em França”, compara a organização. Aïda racionaliza: “se uma menina tem de passar três horas por dia a transportar água, são três horas que ela poderia ter passado na escola, ou a estudar.” Ou a brincar, ou a passar tempo com a família, ou a descansar.

A abordagem estilizada de Aïda Muluneh ao tema é incomum. “Não quis utilizar uma linguagem fotojornalística porque sinto que a população, em geral, já não se sente estimulada por esse tipo de imagens”, explica. “As pessoas vêem muita cor e sentem-se imediatamente atraídas pelas minhas imagens”, defende. O que não se traduz em ausência de semiótica; pelo contrário. “Quando observas em profundidade cada imagem, percebes que é composta por muitas camadas.”

À Canon, a artista sublinhou o papel das cores primárias no projecto, que correspondem aos tons presentes no interior das igrejas ortodoxas etíopes — “uma referência subconsciente”, pondera. O bidão amarelo que é comum a quase todas as imagens, simboliza o transporte de água em África, evidentemente. “As pinturas corporais fazem parte do meu trabalho. Sinto um fascínio pela forma como estão presentes em diversas culturas, mesmo sem existir qualquer relação histórica entre elas.”

Os trajes, continua, são parecidos com os que as mulheres de estratos socio-económicos mais elevados utilizavam na Etiópia, nos anos 30 e 40 do século XX. “Retirei elementos tradicionais do seu contexto habitual e trouxe-os para o presente, interpretando-os de uma forma futurista num outro universo”, explica. Aïda quis “redefinir os sujeitos e apresentá-los com dignidade, força e orgulho”. “​De afros perfeitas e capas fluidas elas ficam majestosas.”​

Ao longo do desenvolvimento desta série de imagens, a fotógrafa natural de Adis-Abeba aprendeu muito. “Não tinha noção do quão profundo era o impacto do acesso à água”, confessa. Globalmente, afirma a artista etíope que cresceu entre o Iémen e Inglaterra, uma em cada dez pessoas não tem acesso a água potável. “​No meu país natal, são quatro em cada dez.”​ Quer assim convidar os espectadores à reflexão. “O acesso à água ainda é um desafio em África e noutros lugares do mundo.”

A família de Aïda dedicava-se à exploração agrícola e sabe, entende por experiência própria, quão dramática é a escassez de água. “Afecta tudo: o teu sustento se os cultivos não crescem; a tua saúde se a água que bebes não é limpa.” Por isso, considera importante a mensagem da WaterAid, organização que se dedica “a melhorar o acesso a água potável, condições de higiene e de saneamento às comunidades mais pobres do mundo: “Porque a água é o futuro.”

© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
© WaterAid / Aida Muluneh
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