Sudão no meio de violentos protestos internos e de conflito fronteiriço com a Etiópia
Uma onda de protestos interna para tentar retirar o general Abdel Fattah al Burhan do poder já fez pelo menos nove mortos.
O Sudão, um dos Estados mais pobres do mundo, situado na África Oriental, vive uma onda de protestos contra o general Abdel Fattah al Burhan e o regime militar, que assumiu o poder no golpe 25 de Outubro de 2021, e com um aumento das tensões na fronteira coma Etiópia. Pelo menos nove pessoas morreram, incluindo um menor de idade, na passada quinta-feira, dia 30, durante a repressão de manifestações contra o governo militar na capital, Cartum, segundo informou um grupo de médicos pró-democracia.
As forças de segurança lançaram bombas de gás lacrimogéneo e dispararam balas, alegadamente de borracha, para tentar dispersar as dezenas de milhares de manifestantes que se juntaram ao protesto, acabando por atingir, de forma letal, alguns deles “na cabeça” e “no peito”, segundo fontes da AFP no local.
“O povo quer a queda do general Abdel Fattah al Burhan”, gritavam os manifestantes. “Mesmo que tenhamos todos de morrer, os militares não nos governarão”, entoava em coro a multidão. Enquanto isso as autoridades encerravam as pontes que ligam as três partes da capital para impedir que os manifestantes chegassem à sede presidencial e desligaram o acesso à internet.
O Comité Central de Médicos Sudaneses (CCSD) foi actualizando a situação no local e elogiou a coragem e a determinação dos manifestantes pacíficos. “A bravura e o valor dos manifestantes pacíficos aterrorizaram as forças de segurança. As manifestações demonstraram que a revolução está viva e não morreu. Vem testemunhar um novo nascimento a cada dia”, sublinharam.
As Forças para a Liberdade e Mudança (FFC), por sua vez, condenaram o uso de violência excessiva pelas forças de segurança e também saudaram a determinação do povo para alcançar os objectivos da revolução. “As manifestações de 30 de Junho trouxeram uma mudança qualitativa no equilíbrio de poder em favor do movimento de massas, os seus objectivos de estabelecer o poder civil total e derrotar o regime golpista”, referiram.
Também na noite de quarta-feira, enquanto pequenas concentrações se formavam para convocar as manifestações desta quinta, um jovem foi morto por uma “bala no peito” em Cartum, segundo aquele grupo de médicos. Foram, ainda, denunciados casos de incursões das forças de segurança com disparos de bombas de gás lacrimogéneo dentro de hospitais da capital.
O dia 30 de Junho é um dia simbólico para este país da África Oriental porque marca duas datas importantes: o aniversário do golpe que levou o ditador Omar al-Bashir ao poder em 1989 e o início das manifestações de 2019 que obrigaram os generais a integrar os civis na governação depois de derrubar o ditador. Mas os militares voltaram a assumir sozinhos os destinos do país depois do golpe de 2021 que levou o país a ser suspenso da União Africana e deixar de receber ajuda internacional, estando cada vez mais afundado numa grave crise económica.
Tensões na fronteira com a Etiópia
O chefe do Conselho de Soberania de Transição do Sudão, Abdel Fattah al Burhan, encontrou-se na terça-feira com a enviada da União Europeia (UE) para o Corno de África, Annette Weber, em Cartum. A reunião abordou o actual conflito entre o Sudão e a Etiópia, dias depois de Cartum acusar a Etiópia de ter executado sete soldados e um civil.
Weber garantiu que Al-Burhan demonstrou interesse em manter relações normais e equilibradas com a Etiópia, apesar de, na segunda-feira, o Sudão ter apresentado uma queixa formal ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) contra o Governo etíope.
Nos últimos anos, as tensões e os conflitos mortais entre o Sudão e a Etiópia têm vindo a aumentar por causa de uma repercussão do conflito na região de Tigré, no norte do país, e da construção de uma barragem hidroeléctrica rio Nilo Azul, na Etiópia. Dezenas de milhares de refugiados têm fugido para o leste do Sudão, alimentando o conflito por questões de rivalidade, e assiste-se a várias intervenções militares em regiões fronteiriças.
O Sudão acusa os militares etíopes de apoiar a expropriação de terras sudanesas pelos agricultores no disputado distrito de Fashaga, na fronteira com a Etiópia. Por sua vez, Adis Abeba nega o seu envolvimento na ocupação dessas terras para as quais, neste momento, não existe um consenso quanto a quem pertencem, e atribuiu os incidentes às “milícias locais.”