Escapadinhas de três dias... Porque não de quatro?
Ao terceiro dia, já descontraída, imagina-se a encher a banheira com espuma, velas em redor, com tempo para ler um livro inteiro, quando subitamente se lembra de que já está a caminho de casa.
Querida mãe,
Não sei quem é que inventou a ideia de “escapadinhas de três dias”, mas claramente não foi uma mãe. No primeiro dia que se chega ao hotel, o pai instala-se confortavelmente a ler um livro. O relaxamento sem filhos é algo que lhes sai naturalmente, sem esforço. A mãe, radiante com a folga, diz “Querido, vou só tomar um banho rápido”, ele levanta os olhos das páginas, curioso, não percebe qual é a pressa. Ela toma um duche a correr, ouve três choros de bebés imaginários, seca o cabelo às três pancadas, veste-se e volta ao quarto. Senta-se na cama, espreita o relógio no telemóvel, e percebe que passaram só 15 minutos desde o início deste processo, e que agora ainda lhe sobram 23 horas e 45 minutos sem interrupções... Quase que fica tonta com a constatação e compreende que talvez pudesse ter sido mais generosa consigo mesma na duração do banho.
No dia seguinte, tenta outra vez, “Despacha-te, esquece lá isso da máscara para o cabelo, porque sem supervisão um dos miúdos ainda parte uma perna se não for ver o que anda a fazer”, diz a voz interna. Mas, desta vez, a mãe não vai na conversa, e repete a si mesma: “Calma, desta vez só aqui está o filho da minha sogra, e esse não exige vigilância constante, sente a água quentinha na pele.” Mas o grilo falante insiste: “Despacha-te a secar o cabelo, tens de ir tratar do jantar”. A mãe resiste: “Calma, hoje deleguei a tarefa no chefe do restaurante aqui da esquina.” O diálogo de surdos continua.
Ao terceiro dia, já descontraída, imagina-se a encher a banheira com espuma, velas em redor, com tempo para ler um livro inteiro, quando subitamente se lembra de que já está a caminho de casa. Voltar ao ritmo antigo, dói, fisicamente. Felizmente a ocitocina ganha sempre e as saudades fazem-nos voltar ao serviço com uma facilidade que não deixa de impressionar.
Como vê, mãe, as escapadinhas deviam mesmo ser ou de dois dias, para não perdermos o ritmo, ou de quatro, para dar tempo para o banho de imersão. Não concorda?
Querida Ana,
Quatro dias devia ser o mínimo, até porque em casa da avó revolucionada pelos netos recém-chegados acontece o mesmo processo, só que ao contrário: temos de nos habituar a trocar o banho de imersão pelo duche rápido, a preocuparmo-nos com a possibilidade de pernas partidas, a trocar a série de televisão pela história do Capuchinho Vermelho, e a acelerar o metabolismo para correr atrás dos mais pequeninos.
E a angustiarmo-nos quando à hora de ir para a cama, há sempre um que tem um ataque de saudades de casa, e desesperadamente procuramos que se distraía em lugar de telefonar à mãe, e estragar-lhe a felicidade dos dias de folga.
Vale-nos a ocitocina, como tu dizes. Ao terceiro dia já ajustámos ritmos, já “caímos” numa rotina confortável, com a dose certa de adrenalina — os mais velhos já dormem até mais tarde, serenos, os mais pequenos brincam sozinhos, e pela primeira vez em três dias conseguimos voltar a pegar no computador (já nem sabíamos onde o tínhamos posto), para tratar das nossas coisinhas.
Na prática, preparamo-nos finalmente para gozar a sério a escapadinha dos pais quando, de repente, nos aparecem à frente. E logo agora que íamos ensinar-lhes o jogo da carica.
Por isso, sim, acho que escapadinhas de menos de quatro dias deviam ser proibidas. Ficávamos todos a ganhar.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.