O grupo de produtores que tentou e conseguiu colocar a casta mal-amada entre as variedades portuguesas mais prestigiadas fez dez anos e, pelo aniversário, acolheu no seu seio os vinhos Vadio. O que os Baga Friends fizeram numa década é notável. No futuro, a Baga e a Bairrada continuarão a precisar de amigos.
À conta da Baga, a região “é hoje caso de estudo”, como aponta o produtor Paulo Sousa (Sidónio de Sousa). A casta é hoje rainha e considerada sinónimo de Bairrada – embora também o sejam os belos vinhos brancos que ali se fazem e, claro, o espumante produzido com outras variedades, como faz questão de lembrar o presidente da Comissão Vitivinícola, Pedro Soares. É uma variedade difícil, que muitos arrancaram no passado, que esteve quase extinta e está hoje a ser replantada, por novos e velhos produtores. É sugerida por sommeliers na alta restauração e já é servida à temperatura correcta. Falta valorizá-la e, à sua boleia, valorizar o terroir onde nasce.
De “quase extinta” a carismática
Quando François Chasans (Quinta da Vacariça) chegou à Bairrada, a casta era apelidada pelos próprios técnicos como “coisa do passado”. “O técnico superior da Estação [Vitivinícola da Bairrada] aconselhou-me vivamente a não plantar Baga”, partilha o francês que em 1998 provou vinhos velhos da Bairrada e se apaixonou pela região de minifúndio onde toda a gente fazia vinho em casa. Nessa ida à Estação Vitivinícola, o técnico ofereceu-lhe antes castas francesas. “Quando lhe pedi para aceder à colecção ampelográfica da Baga dentro da estação vitivinícola, ele não sabia da sua existência.”
Em 2005, no arranque do projecto familiar Vadio, na aldeia de Poutena, Anadia, de onde o produtor e enólogo Luís Patrão é natural, ainda era dor de cabeça dar a provar a Baga. “Ninguém queria provar. E o nosso projecto acabou por ser muito para exportação”, conta-nos Eduarda Dias, esposa e parceira de negócios de Luís.
“Os sommeliers hoje em dia apoiam muito mais a Baga. Há também mais a posição de sommelier. O crescimento do alto turismo em Portugal ajudou a Baga, que não é fácil e precisa de ser explicada”, confirma Filipa Pato (Filipa Pato & William Wouters). A produtora acrescenta que hoje também “há uma clientela cada vez mais ávida por coisas diferentes”, por vinhos autênticos. Donde, “há mais produtores novos a apostar na Baga”. E é “importante acolhê-los”, defende. “Essa é que foi a grande acção dos Baga Friends: fazer que hoje se plante muito mais Baga do que há dez, 15 anos”, sublinha Mário Sérgio Nuno (Quinta das Bágeiras). E “no sítio certo”.
Para Paulo Sousa, a atenção internacional foi determinante. “Os masters of wine estrangeiros começaram a escrever, a escrever, a escrever, e as pessoas cá dentro começaram a ler. O que se dizia de mal da Baga – adstringência e acidez – lá fora era uma coisa boa, era valorizado. Hoje há regiões a procurar mais acidez, nós já tínhamos acidez natural nos nossos vinhos.”
“Os vinhos raros pagam-se”
A entrada dos Vadio para os Baga Friends foi aprovada por unanimidade. “A adesão de qualquer novo membro implica uma verdadeira motivação e fortes convicções”, explica François Chasans, que destaca a “atitude positiva, comprometida e construtiva” da dupla. Dirk Niepoort (Niepoort) não ficou surpreendido: “Estão a respeitar a região e a fazer um caminho próprio. Prevejo que haverá mais ‘Vadios’ e por uma geração mais nova.”
A metade dos Vadio que tem o marketing e a exportação conta que o casal há muito que queria entrar para o clube. No primeiro Dia Internacional da Baga, a 21 de Maio, tornou-se oficial. “Quando eu viajo, não há um lugar do mundo ou escanção que não saiba o que é a Bairrada e a Baga. Até agora éramos friends dos Baga Friends. Como se diz no Brasil, subimos na vida”, partilhou Eduarda Dias, que é brasileira descendente de uma família portuguesa do Dão que importa vinhos portugueses para o Brasil.
A Baga está a fazer um caminho que se faz de vários caminhos. “Entre produtores há vinhos diferenciados. Cada um tem o seu estilo e vivem uns com os outros. Há uma coisa boa na Bairrada: não há tendência da cópia, há tendência da identidade”, explica Filipa Pato.
Para Dirk Niepoort, português descendente de holandeses que se instalaram no Douro em 1842 para fazer vinho do Porto – e que, para muitos leitores, dispensará esta apresentação –, o consumidor nacional “vai demorar a respeitar a Baga, mas o estrangeiro, como não conhece o lado mal-amado da Bairrada, parece encantando com a região”, valoriza a sua autenticidade. O produtor e enólogo com projectos em três regiões (para além da Bairrada, Douro e Dão) fala em preços que andam “pelas ruas da amargura”.
“Se nós não conseguirmos acrescentar valor, esta malta nova não fará os sacrifícios que nós fizemos. Comecei em 1989 e o primeiro salário que tirei foi em Janeiro de 1996”, partilha Mário Sérgio Nuno. “A minha mulher ainda me manteve de Setembro de 1995 até Janeiro 1996.” O vigneron bairradino, que se auto-intitula de “lírico e sonhador” e que para além do pai tem agora o filho Frederico a trabalhar consigo, entende que “só há uma forma de atrair gente nova”: “É isto ser rentável. Acho que os Baga Friends têm esse papel. Acrescentar muita imagem aos vinhos portugueses e aos da Bairrada em particular, para que o futuro seja melhor.”
A denominação de Romanée-Conti, na Borgonha, França, tem 1,8 hectares e o vinho custa o que custa, lembra Mário Sérgio. “Portugal não tem volume mas tem vinhos únicos”. Também François Chasans fala no exemplo de Romanée-Conti. E na denominação Barolo, vinho italiano tido como a melhor expressão da região de Piemonte e que levou anos a afirmar-se no top mundial. No seu caso, para argumentar que “destacar uma única casta é redutor” e que o terroir deve vir primeiro.
“A Baga é pouquinha e a Bairrada também é pequenina. Mas penso que vai brilhar por ser pequenina”, antecipa Dirk, que no passado foi criticado por estar a fazer vinhos “dirkeanos ou dirkónicos” na região, por “não respeitar o terroir” com os seus vinhos mais leves, pouco extraídos, com pouca acidez e pouco grau. “O que está a acontecer [agora] é que a região está a tentar perceber o que é a Bairrada.” Também o produtor com o toque de Midas está a passar o testemunho às gerações mais novas, no caso ao seu filho Daniel.
A união faz mesmo a força
Para mostrar os vinhos únicos que a Baga dá, foi preciso haver união. “A Baga estava a ser abandonada na Bairrada. E a função deste grupo foi reerguer a imagem da Baga na própria Bairrada, cá dentro e lá fora”, explica Luís Pato, produtor de 74 anos e 40 de vindimas e dono de uma notoriedade que alavancou a missão dos Baga Friends e deu um filme em 2021 (Pato Pathos).
Terá sido a “filosofia do vinho” de François Chasans a inspirar Mário Sérgio Nuno a criar uma liga de produtores extraordinários. O produtor de Pai Abel “Chumbado” falou com Filipa Pato, que por sua vez interpelou o pai. “Surpresa das surpresas, o Luís já tinha um nome: Baga Friends”, conta Mário Sérgio. As acções conjuntas que se seguiram fizeram a Baga entrar no ouvido – e nas garrafeiras – de clientes exigentes, e diferentes dos consumidores de há dez, 20 anos.
Com uma casta que pede tanta minúcia na vinha e na adega, até a longevidade tem de ser ensinada. “Em 2030, irei lançar a colheita de 2020 do Pai Abel Tinto. E a partir daí será sempre assim”, antecipa Mário Sérgio.
A Baga é muito versátil e dá vinhos elegantes, com acidez que combina com o sal da comida e taninos que limpam a gordura de alguns pratos. Mas, quer porque precisa de ser explicada, quer porque melhora com os anos, vai ser sempre um vinho de nicho. “É uma casta que dá vinhos raros e os vinhos raros pagam-se”, sintetiza Luís Pato.
Entre um Borgonha e um Barolo
Para chegar lá, há que pegar na casta “com o espírito individualista de um Borgonha mas com o esquema de um Barolo” (a Baga é, do ponto de vista sensorial, muito parecida com o Nebbiolo, a espinha dorsal dos Barolo), “dotada de uma estrutura tânica com grande riqueza que é a sua acidez, duas vezes superior à de um Bordéus”, e pô-la a “competir com os melhores vinhos do mundo”. Palavras de François Chasans.
No futuro, Luís Patrão vê-se “a explorar cada vez mais as pequenas diferenças em cada vinha. Dirk Niepoort acredita que “vão recuperar-se as vinhas velhas”. E Luís Pato confia que a Baga se revelará como “a melhor casta para espumante, até melhor do que as castas brancas da Bairrada. Estou a caminho de provar isso. Tenho um espumante de 2015 sem sulfuroso que está a evoluir sobre a borra como eu imaginava”, partilha.
O “senhor Bairrada”, como lhe chamam, diz ainda que os Baga Friends devem “exigir a melhoria da selecção da casta”: “Não é para ter só um [clone], mas vários, uns 50, 60. E clones melhores.”
Os sete “amigos” da Baga foram aumentando a área plantada com a variedade – começaram por ser sete: no início os vinhos Alexandre de Almeida (Buçaco) integravam o grupo, que deixaram quando abandonaram a produção de DOC Bairrada; com a entrada do Vadio, voltaram ao número original. Têm outras castas plantadas para além da Baga. E apresentam áreas de vinha que vão dos nove aos 60 e tal hectares. Alguns experimentam mais, outros seguem a máxima “em clássico que convence, não mexe”. Há quem pratique o biológico e até o biodinâmico e há quem tenha as cepas em produção integrada.
Todos têm contribuído para tentar encontrar o caminho, ou os caminhos, que valorizarão um terroir que nasce em solos argilocalcários, que Luís Patrão descreve como esse “tipo de barro branco que é muito especial”.