Documentário de Nuno Sá desvenda o mistério dos tubarões-baleia que visitam a ilha de Santa Maria
O documentário Ilha dos Gigantes, que passa nesta segunda-feira na RTP1, às 22h45, explora o que está por trás e os efeitos das visitas que passaram a ser regulares do maior peixe do mundo e do seu séquito de atuns.
As águas da ilha açoriana de Santa Maria começaram a receber a visita regular do maior peixe do mundo, o tubarão-baleia, que chega em grandes aglomerações e com uma enorme escolta de atuns. Os pescadores sabiam que isto acontecia esporadicamente, embora não soubessem o que era este animal tão grande – chamavam-lhe o “pintado”. O que sabiam era quando aparecia, trazia uma grande abundância de atuns. “Os pescadores chegavam a tirar várias toneladas de atuns de baixo de um pintado num curto espaço de tempo, estamos a falar em meia-hora, uma hora no máximo”, conta o fotógrafo subaquático Nuno Sá.
Mas em 2008 a aglomeração de tubarões-baleia e atuns tornou-se mesmo enorme, chegou aos ouvidos de Nuno Sá, autor do documentário Ilha dos Gigantes, que passa nesta segunda-feira na RTP1, às 22h45, e que relata a chegada deste fenómeno e como mudou a sociedade e a economia da ilha de Santa Maria, onde se desenvolveu o turismo em torno do mergulho. “Para ter uma ideia, no primeiro dia em que saí [mergulhei] em 2008, vi oito tubarões-baleia diferentes. Estaríamos a falar de muitas dezenas de tubarões-baleia ali à volta de Santa Maria, enquanto até esse ano eram coisas esporádicas e pontuais”, conta Nuno Sá, fotógrafo subaquático com vários livros e documentários publicados, e vários prémios internacionais atribuídos.
Então, porque é que os tubarões-baleia passaram a visitar Santa Maria, com o seu séquito de atuns, durante alguns anos depois de 2008, e de novo nos últimos três anos, com um hiato de cerca de dez anos? O aquecimento global, que faz subir a temperatura média das águas do mar à superfície, parece estar na origem deste fenómeno, explica Nuno Sá ao PÚBLICO. “Os tubarões-baleia parecem precisar que a água esteja a uns 24-25 graus para conseguirem vir até Santa Maria, e têm aparecido sempre nos anos em que a temperatura da água é um bocadinho mais alta”, exemplifica.
“Com o aquecimento global, a temperatura média dos oceanos também tem gradualmente subido nos Açores. Estamos a falar de variações pequenas, de meio grau, um grau, mas isso parece ser o suficiente para eles começarem a vir cada vez mais para o Norte”, diz o fotógrafo subaquático.
As águas da ilha de Santa Maria parecem ser o limite a Norte pelo qual se aventuram os tubarões-baleia, peixes que têm pelo menos dez metros de comprimento, o dorso sarapintado e que habitam os oceanos tropicais e temperados quentes. “Por exemplo, não chegam à ilha de São Miguel, que se se vê a partir da ilha de Santa Maria, está longo ali a 90 quilómetros de distância. Mas está mais a Norte, de maneira que a água é ligeiramente mais fria e os tubarões-baleia parecem já não conseguir chegar lá”, adianta Nuno Sá.
O documentário Ilha dos Gigantes – da Atlantic Ridge Productions, feito em colaboração com a Blue Azores (parceria entre o Governo Regional dos Açores, a Fundação Oceano Azul e o Waitt Institute) – mostra os esforços feitos por Nuno Sá e uma equipa de cientistas, do grupo de investigação marinha Okeanos da Universidade dos Açores (antigamente conhecido como Departamento de Oceanografia e Pescas), liderada por Jorge Fontes desde 2008 para entender estas aglomerações de dois tipos de peixes.
“Esta história dos tubarões-baleia foi o meu primeiro artigo na revista National Geographic Portugal e foi um contributo importante para nesse ano eu me ter tornado fotógrafo subaquático a tempo inteiro. No ano seguinte, o Jorge Fontes telefonou-me e disse-me ‘posso ir contigo, vou tentar pôr transmissores-satélite nos tubarões-baleia’ e eu disse ‘eh pá, espectacular’. Durante três anos saímos juntos e ele tentava fazer ciência, e eu tentava fazer este documentário”, explica Nuno Sá. Só que, apesar de os cientistas terem conseguido colocar vários transmissores-satélite nos tubarões-baleia para tentar descobrir de onde é que vinha esta população, por um motivo ou outro, soltaram-se e não se conseguiu descobrir isso.
O regresso
E depois durante sete ou oito anos os tubarões-baleia desapareceram das águas de Santa Maria. “Havia relatos esporádicos de um encontro ou outro, e às vezes até íamos para Santa Maria tentar vê-los, mas não conseguíamos”, recorda o fotógrafo subaquático.
A situação alterou-se há três anos: “Eles voltaram finalmente, e nós estávamos mais bem preparados tecnologicamente. O Jorge Fontes tinha umas câmaras desenvolvidas pelo [Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto] CEiiA, de Matosinhos, para pôr nos tubarões-baleia se eles voltassem”, conta Nuno Sá.
Essas câmaras proporcionaram um momento completamente inesperado, quando, durante a realização do documentário, a equipa mergulhou num submarino em busca dos tubarões-baleia e foi dar com eles numa área marinha protegida, “chamada O Ambrósio, que é o sítio de mergulho mais conhecido de Santa Maria, é um dos melhores sítios a nível mundial para ver jamantas”, relata Nuno Sá. “De repente, um dos animais nos quais tinha sido colocada uma câmara surge a filmar o próprio submarino, no qual estávamos a filmar os tubarões-baleia. Foi um encontro imediato do terceiro grau incrível…”, recorda Nuno Sá.
Estas minicâmaras permitiram aprender muitas coisas sobre os animais. Desde logo, como atuns e tubarões-baleia colaboram para se alimentarem em conjunto.
Dependentes dos atuns
Essa colaboração parece ser a chave da deslocação conjunta de tubarões-baleia e atuns. “Existem nesta altura do ano nos Açores cardumes de pequenos peixes, e o tubarão-baleia tenta alimentar-se desses cardumes de pequenos peixes, mas é muito lento e os peixes são muito mais rápidos e ele não consegue alimentar-se deles”, diz Nuno Sá. É preciso dizer que os tubarões-baleia são diferentes do que imaginamos normalmente ser um tubarão: não abocanha grandes presas, é um animal filtrador, alimenta-se de partículas de comida (que no caso podem ser pequenos peixes) que se encontram em suspensão na coluna de água, passando a água por uma estrutura filtradora na sua boca, que é frontal.
“O que calculamos é que esta escolta de atuns viaja com os tubarões-baleia talvez porque estes são melhores a detectar estes cardumes de pequenos peixes ou só por protecção. Mas quando o tubarão-baleia vê os cardumes pára e, em vez de tentar comê-los, deixa avançar os atuns que estão à sua volta. Os atuns começam a rodear os peixes, a encurralá-los à superfície e fica assim como que uma bola compacta. Quando os pequenos peixes estão finalmente encurralados à superfície, não conseguem fugir dali, o tubarão-baleia consegue alimentar-se e vem de boca aberta por baixo e chupa a bola, muitas vezes quase toda de uma vez”, descreve Nuno Sá. “O tubarão-baleia parece depender completamente dos atuns para se alimentar destes pequenos peixes”, remata.
Este comportamento já foi observado em “mais dois ou três sítios, a nível mundial”, diz Nuno Sá. Mas o que é inédito, no caso de Santa Maria, é que durante os meses de Verão, a partir de Julho e até Novembro, quando as águas estão mais quentes, isto acontece todos os dias, quando os tubarões-baleia e os atuns estão nas águas da ilha.
A presença desta aglomeração dos dois peixes afectou, de forma benéfica, os pescadores de Santa Maria – porque conseguem apanhar muito mais atuns. “Mas depois de 2008, Santa Maria começou a ficar muito conhecida como destino de mergulho, e abriram vários centros, hoje em dia há imensas pessoas a viver do mergulho na ilha. Em 2008, não se viam pessoas a mergulhar”, relata Nuno Sá. “Hoje, toda a gente tem um primo, uma tia, algum familiar que vive deste crescimento do turismo na ilha.”
É seguro mergulhar para ver estes tubarões? “É muito seguro, eles são completamente afáveis. Mas é uma coisa feita em alto mar, não é junto à costa, de maneira que são os pescadores do atum que normalmente ajudam os centros de mergulho a encontrar os tubarões-baleia”, conta Nuno Sá.
O facto de tantos habitantes da ilha de Santa Maria terem passado a depender do turismo em torno do mergulho e da aparição dos tubarões-baleia teve um impacto interessante, diz o fotógrafo subaquático “Os marienses acharam que tinham ali um bocadinho a galinha dos ovos de ouro, e que deviam de alguma maneira protegê-la. Isto é um dos poucos casos, mesmo a nível europeu, em que a própria sociedade se juntou toda para criar áreas marinhas protegidas: criaram quatro spots de mergulho em que não se pode pescar”, relata Nuno Sá. O objectivo é haver bons locais de mergulho, com muita vida marinha, para os anos em que os tubarões-baleia visitam Santa Maria.