Justiça europeia detém deportação de migrantes para o Ruanda
Plano do Governo britânico de enviar requerentes de asilo para o país africano sofre revés com ordem de última hora do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
Com um avião pronto para sair de uma base militar logo desde as primeiras horas da manhã, o Governo britânico sofreu esta terça-feira um rude golpe de última hora no seu plano de enviar os requerentes de asilo que chegam ilegalmente ao Reino Unido para o Ruanda. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) emitiu uma ordem para deter a deportação de um migrante originário do Iraque, poucas horas antes de sair o primeiro voo com destino ao país africano.
“O Tribunal Europeu instruiu o Governo do Reino Unido que o requerente não deve ser deportado para o Ruanda até três semanas após a entrega da decisão interna final no seu processo judicial em curso”, afirmou em comunicado o TEDH. Pouco depois, a instância europeia alargou a decisão a mais dois requerentes de asilo, com uma fonte de Downing Sreet, citada pela Reuters, a anunciar que o voo já não partiria esta terça-feira.
A decisão da instância europeia surgiu no mesmo dia em que o Governo de Boris Johnson tinha garantido que não tencionava voltar atrás na controversa política de deportar os requerentes de asilo que entram ilegalmente no país através do Canal da Mancha, com o primeiro-ministro a afirmar mesmo que estava disposto a retirar o Reino Unido do TEDH.
O primeiro migrante a ver o seu recurso aceite deixou o Iraque no início deste ano e atravessou o Canal da Mancha para chegar ao Reino Unido, em vez de pedir asilo em outro país europeu. Já em território britânico, os médicos que o examinaram disseram que o cidadão iraquiano pode ter sido vítima de tortura.
O tribunal europeu considerou que a concessão do pedido efectuado pelo iraquiano se justificava “numa base excepcional”, já que o requerente de asilo enfrentava “um risco real de danos irreversíveis”.
Antes da decisão do TEDH, as tentativas de pelo menos cinco migrantes tinham sido negadas pelos tribunais britânicos, embora um juiz tenha afirmado que a política de deportações para o Ruanda deveria ser revista.
No conselho de ministros desta terça-feira, Boris Johnson tinha defendido, diante das câmaras de televisão, a legalidade e a justiça do plano.
“Vamos manter o nosso objectivo, que é o de garantir que fazemos uma distinção clara, justa e razoável, entre imigração legal para este país por vias seguras e legais, que apoiamos, defendemos e protegemos porque todos compreendemos os benefícios que traz, e migração ilegal perigosa através do Canal da Mancha, que pretendemos travar”, afirmou o primeiro-ministro Boris Johnson, prometendo que o Governo não seria “intimidado” pelas críticas à controversa política, “algumas de quadrantes ligeiramente inesperados”.
Uma das mais veementes críticas veio da Igreja de Inglaterra. Numa carta publicada ontem no jornal The Times, os arcebispos de Cantuária, Justin Welby, e de York, Stephen Cottrell, mais 23 bispos, censuraram duramente o plano de Downing Street.
"Quer o primeiro voo de deportação saia ou não do Reino Unido hoje para o Ruanda, esta política deveria envergonhar-nos enquanto nação. A vergonha é nossa, porque a nossa herança cristã deveria inspirar-nos a tratar os requerentes de asilo com compaixão e justiça, como temos feito durante séculos”, escreveram.
Também a ministra dos Negócios Estrangeiros garantira, logo pela manhã, que o primeiro voo com destino ao Ruanda deixaria o Reino Unido esta terça-feira, apesar de, segundo a organização não-governamental Care4Calais ter revelado que só estavam confirmados sete passageiros.
Em declarações à BBC, Elizabeth Truss descreveu a política como “uma parte fundamental” da estratégia do Governo de Londres “para combater os terríveis traficantes de pessoas que estão a fazer negócio com as esperanças e sonhos das pessoas”, acrescentando que o executivo estava preparado para enfrentar futuras acções judiciais.
A defesa do plano britânico veio também do país de destino dos migrantes. A porta-voz do Governo ruandês, Yolande Makolo, disse em conferência de imprensa em Kigali, capital do Ruanda, que o acordo, criticado pela ONU e por organizações de defesa dos direitos humanos, constitui “uma solução para um sistema de asilo mundial defeituoso”.
"Não consideramos que viver no Ruanda seja um castigo... Faremos o nosso melhor para garantir que os migrantes sejam cuidados e capazes de construir uma vida aqui”, acrescentou Makolo.