Morreu Paula Coutinho, pioneira da neurogenética em Portugal
Paula Mourão do Amaral Coutinho (1941-2022) era médica neurologista, professora e investigadora. Considerada pioneira da neurogenética em Portugal, a cientista morreu este sábado numa residência para idosos onde já vivia há cinco anos.
A neurologista e investigadora Paula Coutinho, que se dedicou ao estudo das doenças neurodegenerativas, em particular à paramiloidose (vulgarmente conhecida por “doença dos pezinhos") e à doença de Machado-Joseph, é considerada “uma das maiores impulsionadoras da genética preditiva em Portugal”. A médica morreu este sábado após algumas semanas de um débil estado de saúde que levou a que fosse hospitalizada no Hospital de Santo António, no Porto. Acabou por morrer durante a noite na residência onde vivia há já cinco anos, segundo confirmaram os seus familiares este domingo.
A médica, natural de Macieira de Cambra, licenciou-se na Faculdade de Medicina do Porto, com 18 valores, e iniciou a sua carreira no Hospital Geral de Santo António (HGSA), onde - de 1967 a 1998 - foi estagiária, interna geral e complementar, especialista, assistente, chefe de clínica e de serviço. Foi nessa unidade hospitalar que, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, começou a investir na aplicação da imunofluorescência na polineuropatia amiloidótica familiar.
De 1975 a 1992 foi consultora clínica no Centro de Estudos de Paramiloidose, no Porto, e professora convidada de Neurologia no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (1979-1998). “Integrou, desde a sua criação em 1992, a equipa de investigação da UnIGENe (Unidade de investigação Genética e Epidemiológica em Doenças Neurológicas), que se viria a instalar no IBMC (Instituto de Biologia Molecular e Celular), agora no i3S (UP), onde foi também elemento da equipa clínica do CGPP (Centro de Genética Preditiva e Preventiva)”, lembra o geneticista Jorge Sequeiros, seu colega no IBMC, numa nota biográfica enviada aos jornalistas e que também é assinada por José Barros, director clínico do Centro Hospitalar do Porto.
Os especialistas destacam que Paula Coutinho se dedicou sobretudo à prática e ensino da neurologia, a neurogenética e a neuroepidemiologia; e, em particular, a polineuropatia amiloidótica familiar (paramiloidose) e a doença de Machado-Joseph, que ajudou a definir como entidade clínica. “Foi a mentora e responsável do rastreio nacional sistemático, de base populacional, das ataxias hereditárias e paraparesias espásticas, efectuado em Portugal durante mais de 12 anos, o qual conduziu à descrição de novas entidades clínicas e genéticas e que ainda hoje continua a ser fonte de valiosa informação para a investigação desses grupos de doenças”, escreve Jorge Sequeiros.
“Doença de Machado-Joseph: tentativa de definição” foi o título da tese de doutoramento que lhe valeu a distinção da primeira edição do Prémio Bial, em 1993. Foi autora ou co-autora de dezenas de artigos científicos. “Teve como figuras de referência Corino de Andrade e João Resende. Legou essa inspiração a diversas gerações, tecendo uma rede de pessoas livres, comprometidas com uma perspectiva convergente da medicina, ciências e sociedade”, refere ainda José Barros.
Por fim, o geneticista lembra alguns traços mais pessoais da mulher que se destacou na sua carreira profissional, mas não só. “Além do ensino da neurologia e da neurogenética, era apaixonada pelos Açores (Flores, mais que as outras), cães (rafeiros), jardins (camélias, magnólias, criptomérias, araucárias), cinema (de autor), romances policiais (Maigret, entre outros), fórmula 1 (Ayrton Sena, só!) e pelo Futebol Clube do Porto (sempre!)”.
Numa homenagem que o Centro de Genética Preditiva e Preventiva lhe prestou em 2016, Paula Coutinho ajudou a plantar uma magnólia, no jardim entre os dois edifícios do i3S, simbolizando a ligação da clínica à investigação, lembra agora Jorge Sequeiros terminando: “A magnólia continua viçosa.”