Tenho medo.
Pode parecer arrogante ou um pedido de atenção, mas é exactamente aquilo que se pretende, fazer passar uma mensagem: não ficou tudo bem.
Ora, vejamos: tenho 22, quase 23, anos e já passei por três crises económicas e uma pandemia. Mas nunca vi uma falta de confiança, esperança e ambição tão grande como experienciamos hoje em dia. Está bem que os nossos “líderes” dizem que está tudo bem, mas alguma coisa deve estar muito errada quando um garrafão de óleo alimentar custa entre oito e 10 euros. Alguma coisa deve muito errada quando os 40 euros (já de si um abuso) para os gastos semanais de combustível já estão no fim à quarta-feira. Algo de muito errado está, efectivamente, a acontecer quando se lê que os salários tiveram a maior queda desde a “troika”. Ah! E, a somar a isto, as taxas de juro, até agora em terreno negativo, vêm aumentar a entropia.
Mas não é só a perspectiva económica que me assusta. Tenho medo porque o nosso país apresenta graves e profundas deficiências a nível estrutural. Se olharmos só para números e estatísticas, claro que estes problemas são atenuados e relativizados, mas atentemos num caso prático: mudei recentemente de casa (Lisboa). Todos estamos familiarizados com os prédios antigos sem isolamento, nem térmico nem sonoro, com a constante azáfama de autocarros na rua e aviões a sobrevoar as nossas janelas. Todos sabemos que o mercado imobiliário está tão bom que encontrar um T0 a 1200 euros por mês é cada vez mais comum. Todos sabemos que é praticamente impossível transitar para a “vida adulta” sem antes ter que aderir à política de casas partilhadas. Mas, aparentemente, ninguém faz nada nem deixa fazer nada para resolver a situação.
Hora de mudar. Por azar, decidi fazer as mudanças no preciso dia em que entraram em vigor os novos radares de Lisboa. Aqui tenho que manifestar o meu total apoio a medidas que reduzam o tráfego automóvel e o tornem cada vez mais seguro. Contudo, acho inconcebível colocar restrições e implementar medidas sem apresentar uma alternativa viável: o metropolitano é altamente inconstante (no primeiro dia, em alguns anos, em que dependi deste meio deparei-me com o saudoso ”Linha Verde: circulação interrompida por tempo indeterminado”); a bicicleta ainda é uma solução pouco viável devido à inexistência de ciclovias e aos problemas de segurança rodoviária que teimam em espreitar a qualquer esquina lisboeta. Resta, portanto, o velhinho carro, mas circular a 30 quilómetros por hora torna-se exasperante ao ponto de esperar cinco ciclos de semáforo para transpor a Praça de Espanha.
Ou seja, num acto banal de mudança de casa já saltam à vista vários problemas estruturais em áreas chave, sendo que este exercício pode ser facilmente extrapolado ao resto do país sem perda de generalidade, a saber: habitação, mobilidade, protecção ambiental, aos quais podemos de bom grado somar o custo de vida em alta e os salários em baixa. E ainda podemos somar ao cálculo de ineficiência nacional a política de estragar o que funciona por algo incerto (sim, ainda não consegui compreender os radares).
Desta feita, alguém me consegue explicar como é que está tudo bem? Porque é que Portugal não pode seguir o exemplo italiano e resolver o problema da eficiência energética das habitações (menos custos para famílias e ambiente)? Porque é que não podemos aproveitar as nossas condições geográficas e ser o novo exportador de energias renováveis da Europa? Porque é que não podemos estar equiparados aos nossos vizinhos espanhóis que já vão, segundo notícias recentes, 30 anos à nossa frente em matéria de ferrovia e até 40 cêntimos por litro atrás de nós no custo dos combustíveis? A nível tecnológico, as empresas nacionais são tão boas que exportam tecnologia de ponta para países com a ferrovia mais desenvolvida da Europa e nós não aproveitamos. Como é que atingimos este estado apático e sonâmbulo? Falta responsabilização pelas políticas tomadas ao estilo do sistema parlamentar britânico, falta permitir ao talento imenso que o nosso país guarda um momento ao Sol.
E por tudo isto que se vê, bastando olhar pela janela, tenho medo. Mas o que me assusta mesmo é o que está escondido e nos vendem como perfeito.