Livro
O “encontro feliz” de Inês d'Orey com o modernismo e brutalismo de Belgrado
Belgrado, cidade "cosmopolita", "tem uma patine e uma certa decadência" que atrai a fotógrafa portuense Inês d'Orey. O fotolivro Beograd Concrete reúne imagens do interior dos seus edifícios modernistas e brutalistas "que podem sofrer remodelações a qualquer momento".
Belgrado foi ter com a fotógrafa Inês d'Orey e "foi um encontro feliz". "Apaixonei-me imediatamente por Belgrado quando cheguei", contou ao P3. "Foi emocionante respirar tanta história nas ruas." Inês, cujo trabalho fotográfico incide invariavelmente sobre a relação entre a arquitectura e a identidade, viajou até à Sérvia, em Maio de 2021, a convite do Footnote Center for Image and Text, no âmbito do Belgrade Photo Month. "Os diferentes tipos de arquitectura que se misturam na cidade contam a história intensa que essa viveu nos últimos séculos", explica.
Antes de chegar à Sérvia, a fotógrafa estava focada na "arquitectura idiossincrática do modernismo socialista", aquela que foi erigida durante o regime de Tito, entre 1946 e 1980. O choque com a realidade do local, no entanto, fê-la repensar a sua abordagem. "Ao chegar, fiquei impressionada com a enorme quantidade de interiores incríveis de edifícios habitacionais modernistas, projectados principalmente nos anos 30", observa. Assim, "o projecto foi ampliado espontaneamente para incluir esse período". Sente-se afortunada por haver, na capital sérvia, "muitos lugares onde nem os cidadãos tiveram a oportunidade de entrar". Foi a última a fotografar edifícios, como o Bigz ou o Centro Sava, antes de serem remodelados. "É muito especial poder contribuir para essa memória colectiva da cidade. A cidade ainda tem muitos interiores preservados de prédios modernistas muito interessantes, mas isso pode mudar a qualquer momento."
Belgrado é descrita por d'Orey como "uma cidade cosmopolita, com pessoas criativas e descontraídas" e "uma energia incrível". "Tem uma patine e uma certa decadência que me atrai. Os espaços têm uma atmosfera onde se respira história." A fotógrafa visitou dezenas de locais, na "cidade branca" (tradução literal de beograd). "A Rádio Belgrado, construída nos anos 30, foi especialmente surpreendente", refere. "Não esperava tantos mundos diferentes dentro de um só edifício." Foi conduzida até aos arquivos, na cave, até aos estúdios, às salas técnicas, ao "sumptuoso salão", e ficou impressionada com a variedade e beleza dos muitos recantos do edifício. "Também me contaram a história de um soldado alemão que lá morreu, durante a Segunda Guerra Mundial, e que foi enterrado algures na cave. Isso adicionou um mistério extra ao espaço."
Na sua fotografia, Inês procura retratar "espaços interiores preservados, vazios e subtis", "que deixam de lado quaisquer elementos que não contribuam para a pura beleza ou função do espaço". Apaixonada pela arquitectura modernista e por design minimalista, Inês sabe que, nas suas imagens, "o menos também é mais". "Fotografo espaços vazios sem a presença humana, mas que parecem de alguma forma habitados. É essa tensão e estranheza que procuro capturar."
O livro Beograde Concrete, que reúne as fotografias realizadas em 2021, é o primeiro de dois volumes e estará em apresentação na Galeria das Salgadeiras, em Lisboa, a 7 de Junho. "Houve muitos edifícios interessantes que tiveram de ficar de fora da primeira edição", que faz parte de uma colecção com chancela da galeria supramencionada. O segundo volume irá incluir mais espaços da capital sérvia, nomeadamente mais edifícios modernistas. "Será mais equilibrado, também, em termos de modernismo pré e pós Segunda Guerra Mundial", assinala.