Duas artistas estão a enviar as Cartas sobre Design que gostavam de ter recebido

Joana Baptista Costa e Mariana Leão são as criadoras do projecto De:Para: Cartas sobre Design que promove a partilha de experiências entre profissionais e interessados no design. Para receberes uma carta, basta pedires.

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CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Imagina que vais até à tua caixa de correio e encontras uma carta que, diferente das demais, não é publicidade nem uma conta, mas sim uma missiva escrita por um designer e endereçada a ti. É essa a premissa do projecto De:Para: Cartas sobre Design que promove a escrita e leitura de textos entre pessoas que têm o design como profissão ou inspiração.

Por estes dias, no meio de uma pilha de cartas, as designers Joana Baptista Costa e Mariana Leão andam aos papéis (e envelopes), no atelier que ocupam na Rua Conde Ferreira, no Porto. Desta mesa redonda de vidro já terão saído centenas de mensagens, embaladas pela intenção de “criar uma escrita mais intimista sobre a profissão” de designer. Tudo para “despontar uma reflexão mais individual, uma autocrítica sobre o design”, com alguma nostalgia mas também proximidade. “A carta dirigida a uma pessoa específica na sua morada fomenta muito mais a questão da intimidade e da partilha”, enuncia Mariana. “Em casa, as pessoas podem ler, ter o seu espaço e o seu tempo. Isso fomenta a leitura e ouvir os outros a partir dela.”

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CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

O projecto, apoiado pelo programa governamental Garantir Cultura, conta com mais 16 participantes que passaram para o papel os seus sentimentos e vivências no mundo do design. De reformados a recém-licenciados, a lista de colaboradores ostenta uma grande variedade de perfis, idades e experiências. “Convidámos várias pessoas com modelos de trabalho diferentes que nos contassem a sua história, a sua voz, a sua biografia, a sua identidade dentro da profissão”, explica Joana. “Por todas essas questões que ligam a identidade individual com profissional, identificámos pessoas que nos pareciam relevantes.”

O processo de produção dos textos partiu de uma pergunta: a quem gostarias de escrever? A partir daí, os convidados tiveram de redigir sobre um tema escolhido pelas criadoras. “Não dissemos ‘escreve uma carta’. Desafiámos a escrever sobre questões que nos pareciam ser importantes para o projecto”, sublinham. “Tínhamos um pedido individualizado para cada pessoa. Pensámos em questões como ‘foste professora durante 30 anos’, ‘formaste muitos designers’, ‘és uma mulher racializada em Portugal’ ou ‘trabalhas em dupla’”, reforça Mariana.

Uma das autoras é Beatriz Gentil, a primeira mulher a dar aulas na antiga Escola Superior de Belas Artes, actual Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, que na sua carta, entre outras coisas, recorda como foi participar no filme A Ilha dos Amores. “Foi um dos trabalhos que me deram maior prazer, porque todos os recursos de um designer tiveram de ser empregues. Paulo Rocha apenas dizia ‘os canhões têm de lembrar paz’. Resolvi encher de flores do campo as bocas dos canhões”, conta. A designer Lisa Moura, redige uma carta para si mesma e traça uma promessa para o futuro: “Não temerás mais que te digam novamente ‘volta para a tua terra’, quando te encontras no local onde nasceste. Outros partilharão contigo a sua experiência Alien e encontrarás finalmente o sentimento de pertença que te havia faltado toda a vida.”

Já Ana Isabel Carvalho e Ricardo Lafuente, do estúdio Manufactura Independente, escrevem uma carta... a recusar o convite: “Sentimo-nos sozinhos, como parte de uma profissão que ninguém realmente compreende ou dá o devido valor, a quem não se dá o microfone na altura de pensar uma sociedade melhor.” A lista completa de remetentes, que integra por exemplo os designers Mário Moura e Sofia Rocha e Silva, pode ser conferida online. Em breve, todas as cartas estarão disponíveis para leitura.

Contudo, e apesar de envolver artistas, o De:Para: Cartas sobre Design não se foca propriamente no aspecto visual nem serve como mostra de portfólio. “As pessoas estão à espera de ver alguma coisa muito elaborada visualmente, mas o que nos traz aqui é o conteúdo textual, a mensagem, o discurso”, esclarecem Joana e Mariana, enquanto colam selos nos envelopes brancos.

CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO
CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO
CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO
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CARTAS DESIGN NO PORTO ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Ao todo, foram produzidos 15 textos que vão ser enviados de forma aleatória, até o fim de Maio, aos quase 300 destinatários já inscritos. Para receber uma carta, basta preencher o formulário. Por enquanto, não estão previstas respostas às cartas, mas as criadoras já adiantam que, numa segunda fase, podem até aceitar que todos os interessados submetam os seus textos.

Texto editado por Amanda Ribeiro

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