Os sons de Marte davam um disco — e também dão informação valiosa sobre a atmosfera

Uma playlist com cinco horas recolhidas pelo robô Perseverance , da agência espacial norte-americana, é mais do que música. Os sons captados em Marte confirmam que os sons de alta frequência viajam mais rápido neste planeta - um caso único.

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Desde que o robô da NASA chegou a Marte, há mais de um ano, já gravou horas e horas de som ambiente do "planeta vermelho" NASA

Se Marte gravasse um álbum musical, certamente teria imenso vento e pausas silenciosas para respirar. Desde que o robô Perseverance aterrou em Marte, os dois microfones que tem incorporado gravaram horas e horas de áudio que são informação valiosa sobre a atmosfera do planeta.

Estas gravações não mostram apenas o que podemos ouvir no planeta vizinho, mas permitem perceber a variabilidade da sua atmosfera, com mudanças rápidas do silêncio para as velozes rajadas de vento. O Perseverance, robô enviado em Fevereiro de 2021 pela NASA, confirmou ainda que os sons de alta frequência (como assobios ou zumbidos de mosquitos) viajam mais rápido do que os de baixa frequência: o único lugar no sistema solar em que sabemos que isso acontece.

O ambiente sonoro de Marte é discutido numa apresentação no Encontro da Sociedade Acústica da América, esta quarta-feira. Nesta apresentação, Baptiste Chide, do Laboratório Nacional de Los Alamos, vai mostrar os primeiros sons gravados pelos microfones do robô e aquilo que significam para o nosso entendimento sobre o “planeta vermelho”.

Depois de mais de um ano de gravações em solo marciano, a equipa reduziu os sons recolhidos a uma playlist que dá palco a cinco horas de “música”. Na maioria do tempo, Marte é bastante calma e silenciosa. Os sons, para um emissor similar, são 20 decibéis mais baixos do que na Terra e há poucos barulhos naturais além do vento. “É tão silencioso que a certa altura pensámos que o microfone estava estragado”, diz Baptiste Chide, que está a realizar o pós-doutoramento em acústica planetária.

Ainda assim, depois de ouvir cuidadosamente os sons captados, o grupo que acompanhou as horas e horas de gravações descobriu que existe esta variabilidade no vento, com mudanças abruptas em Marte. A confirmação da teoria de que neste planeta os sons de alta frequência viajam mais rapidamente também foi confirmada pelo robô da agência espacial norte-americana. Foi o Perseverance que calculou a dispersão da velocidade do som, para perceber quais viajam mais rápido.

Marte é o único lugar no sistema solar onde isso acontece na largura de banda audível por causa das propriedades únicas da molécula de dióxido de carbono que compõe a atmosfera”, explica Chide.

As estações do ano no “planeta vermelho” também têm impacto na paisagem sonora. À medida que o dióxido de carbono congela nas calotas polares durante o inverno, a densidade da atmosfera muda e o volume dos sons do ambiente marciano variam em cerca de 20%.

O Perseverance continua a coleccionar gravações de áudio, enquanto continua a sua missão pelas diferentes regiões de Marte. O investigador Baptiste Chide acredita que esta técnica de analisar as atmosferas com a ajuda do ambiente sonoro será ainda mais relevante em planetas e luas com atmosferas mais densas, como o planeta Vénus e ou a lua Titã, onde as ondas sonoras interagem com mais força e se propagam.

O robô Perseverance está em Marte há mais de um ano, tendo conseguido extrair oxigénio em Marte a partir de dióxido de carbono da atmosfera de Marte e apresentar uma discografia curta dos primeiros sons gravados no planeta. Além destes feitos, o robô norte-americano continua a recolher amostras do solo e da atmosfera para compreender melhor a história e também as condições para a existência de vida.

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