Adega de Pegões, o trabalho como herança
A Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões – ou Adega de Pegões, para simplificar – nasceu de um projecto de povoamento da paisagem rural e é hoje um dos maiores produtores de vinho do país. Descobri-la é tomar a escala a essas duas dimensões.
Há produtores de vinho com longos historiais familiares para contar a quem os visita. Outros têm títulos de nobreza a abrilhantar a narrativa, palacetes, livros de visitas assinados por reis, duques e outros que tais. A Adega de Pegões não tem nada disso. Aqui, a história cruza-se com a do Estado Novo e essa herança é assumida sem preconceito nem exaltações ideológicas de qualquer espécie. Ergueu-se do suor de quem trabalhava a terra, e é esse o brasão da Adega de Pegões.
Jaime Quendera, enólogo e gerente, puxa o fio da linha cronológica no primeiro minuto da visita. “Conhecem a história do colonato?” A origem daquilo que é hoje Pegões remonta a um projecto salazarista de fixação de população rural e reorganização da propriedade agrícola. Dos sete colonatos criados nas décadas de 1930 a 1960, este foi o único a sul do Tejo e desbravou os 7 mil hectares da Herdade de Pegões – deixados em testamento pelo industrial da cerveja José Rovisco Pais aos Hospitais Civis de Lisboa, e transferidos para a Fazenda Nacional após a sua morte.
A partir de 1938, foram construídos 204 casais – compostos por moradias de traço uniforme, terras de cultivo e terrenos florestais –, entregues a outras tantas famílias, espalhadas por quatro núcleos populacionais. Essas casas mantêm-se ainda hoje e são uma curiosidade arquitectónica e sociológica que acrescenta interesse a Pegões – a par da icónica igreja de Santo Isidro, de traço “niemeyeresco”.
A Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões foi construída em 1958, e o próprio edifício denota a arquitectura da altura. Entretanto cresceu, tornou-se um dos maiores produtores de vinho do país, com um volume anual a rondar os 14 milhões de litros e um portefólio que ultrapassa as 60 referências – assinadas por um dos enólogos mais medalhados (senão mesmo o mais medalhado) de Portugal. Quendera “culpa” os solos arenosos, o chamado Pliocénio de Pegões, “pobre em nutrientes, mas rico em água” que, em conjunto com o clima quente bafejado pelas brisas marítimas, permite a maturação homogénea das uvas.
Estas já não vêm das velhas vinhas do colonato, mas dos 1117 hectares detidos pelos 90 sócios da Cooperativa – não fazem, portanto, parte da visita, já que não ficam sequer ali ao lado. Visita-se, antes, a adega original e a nova, as caves e a sala de provas, onde há uma exposição dedicada à história da instituição. Por marcação, ali acontecem também almoços e jantares bem acompanhados – e alinhados com a senda de Jaime Quendera em perseguir o “preço justo” para aquilo que vende. Essa é, aliás, uma das boas surpresas reservadas para o final – a passagem pela loja no caminho de saída é mais do que recomendável.
Cooperativa Agrícola Santo Isidro de Pegões
Rua Pereira Caldas, 1, Pegões Velhos (Montijo)
GPS: 38.6853, -8.6594
Tel.: 265898860
Web: cooppegoes.pt
Preço: 5 euros (visita e prova de 5 vinhos; sob marcação)
Loja: Das 09h às 12h30 e das 14h às 17h30; quinta e sexta, até às 18h; sábado, até às 13h. Encerra ao domingo
Este artigo foi publicado no n.º 3 da revista Solo.