Varíola-dos-macacos: “É natural que ainda não estejamos a ver o icebergue todo”
Os casos de varíola-dos-macacos em Portugal deixam de estar circunscritos a Lisboa e Vale do Tejo. Especialistas pedem informação e reforçam a necessidade de conter a transmissão.
0Portugal atingiu esta segunda-feira os 37 casos de varíola-dos-macacos (também conhecida como “vírus monkeypox”, ou “VMPX”), e já existem casos fora de Lisboa e Vale do Tejo. A Direcção-Geral da Saúde (DGS) comunicou ontem casos confirmados no Norte e no Algarve, apesar de não definir quantos infectados existem nestas regiões.
Bernardo Mateiro Gomes afirma que, “perante o período de incubação [de 21 dias], é natural que ainda não estejamos a ver o icebergue todo”. O médico especialista em saúde pública alerta para a possibilidade de ainda existirem muitos casos por identificar.
O Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) publicou esta segunda-feira uma avaliação em que determina que o risco de transmissão para a população é baixo. Contudo, destaca que o risco para as pessoas que têm múltiplos parceiros sexuais é moderado.
“Até agora, a maioria dos casos que conhecemos parece ter sido em contexto de proximidade, de transmissão afectiva ou em relação sexual. Mas também há situações de transmissão por gotículas”, explica Bernardo Mateiro Gomes. “Há de forma objectiva alguns comportamentos de risco – mas que não estão associados a transmissão em grupos específicos”, conclui. No documento publicado pelo ECDC, destaca-se que a natureza das lesões indica que nalguns casos o contágio ocorreu durante relações sexuais, para além da transmissão através do contacto com material infectado pelas lesões na pele e também de gotículas pelo contacto próximo prolongado.
Apesar de a esmagadora maioria dos casos confirmados terem sido identificados como homens, a doença não é exclusivamente masculina. Neste momento, existe uma mulher como caso suspeito em Espanha.
A necessidade de identificar as cadeias de contágio e tentar conter a transmissão é apontada como essencial por Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes. “ [O VMPX] é uma razão para estarmos preocupados, principalmente porque temos de perceber a sua origem e evitar que se propague”, diz. Apesar disso, destaca que “seria mais preocupante se esta doença tivesse uma taxa de mortalidade mais elevada”, ressalvando que até ao momento não existem relatos de mortes por este vírus.
Vírus sobrevive mais tempo em superfícies
Esta segunda-feira, já estavam confirmados mais de 150 casos de VMPX em países onde o vírus não é endémico (como a República Democrático do Congo ou a Nigéria). O Reino Unido comunicou ontem mais 36 pacientes infectados, somando 56 no total. Dinamarca e Escócia registaram pela primeira vez casos de varíola-dos-macacos.
“É um vírus mais estável, que sobrevive mais tempo em superfícies, mas que partilha a potencial transmissão por vias respiratórias com a covid-19”, compara Bernardo Mateiro Gomes.
O facto de ser um subgrupo menos transmissível e menos letal do VMPX também é importante para Miguel Prudêncio, já que esta é uma doença que “se autolimita”, ou seja, na maioria dos pacientes os sintomas desaparecem passadas duas a três semanas.
Conter a transmissão
“Existe a necessidade de fazer rastreio dos contactos [com casos confirmados] e um aconselhamento de proximidade. E, sobretudo, de fazer recomendações à população para tentarmos conter a transmissão”, declara Bernardo Mateiro Gomes. A disseminação do VMPX fora da região de Lisboa e Vale do Tejo pode comprometer o corte das cadeias de transmissão.
Ambos referem ainda uma preocupação comum: a informação. “É preciso que a população esteja informada e também tomar as medidas de prevenção necessárias”, diz Miguel Prudêncio. O investigador dá prioridade à prevenção e destaca a hipótese de vacinar em anel, dado que a directora-geral da Saúde afirmou que existem em Portugal vacinas contra a varíola humana: “Existe alguma evidência de que a vacinação pode ser benéfica, inclusive em pessoas infectadas, desde que seja feito de forma precoce. E uma possibilidade para conter a propagação será a vacinação em anel, ou seja, vacinar os contactos de risco e assim fazer uma vedação em torno dos casos infectados.”
A vacinação é uma das estratégias mencionadas ao longo da última semana, tendo sido também recomendada pelo ECDC. A DGS confirmou que está a estudar essa hipótese e que existem vacinas em Portugal – mas não avançou quantas estão disponíveis.
“É possível conter a transmissão, mas isso pede trabalho. É preciso levar isto a sério, é preciso informar a população e é preciso capacitar as equipas para fazer o rastreio de contactos, para podermos conter a transmissão”, conclui Bernardo Mateiro Gomes.
Em Portugal, as recomendações para os casos confirmados são de isolamento físico e minimização dos contactos próximos, tal como em Espanha, por exemplo. Na Bélgica, as autoridades de saúde já impuseram uma “quarentena” de 21 dias para todas as pessoas infectadas.