Há mais de duas semanas que há casos de monkeypox em Portugal
Sequenciação do vírus indica que é menos agressivo e menos transmissível. No continente europeu, foram reportados mais de 80 casos em oito países. OMS convoca reunião urgente
A amostra usada pelos investigadores do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) para a análise do genoma do vírus da varíola-dos-macacos terá sido recolhida a 4 de Maio, o que indica que há mais de duas semanas que existem casos em Portugal. O trabalho foi publicado esta sexta-feira num fórum de discussão aberta para análise e interpretação de epidemiologia e evolução molecular do vírus, onde já era apontada a existência de mais de 20 casos confirmados em território nacional. Esta sexta-feira, as autoridades de saúde confirmaram 23 casos desta infecção em Portugal.
Na versão preliminar do artigo sobre a sequenciação do genoma do vírus da varíola-dos-macacos, também conhecido como vírus monkeypox (VMPX), os investigadores Insa concluem que, pelo menos a partir daquela amostra, temos em Portugal o subgrupo menos agressivo de varíola-dos-macacos.
No documento, assinado pelos investigadores do Insa que estarão ainda a realizar mais análises laboratoriais, confirma-se que a primeira análise filogenética rápida indica que este vírus pertence ao subgrupo da África Ocidental, sendo, portanto, menos agressivo e menos transmissível, informação também confirmada pela DGS. A análise refere ainda que o vírus da amostra “está mais intimamente relacionada com os vírus associados à exportação do VPMX da Nigéria para vários países em 2018 e 2019, como o Reino Unido, Israel e Singapura”.
A sequenciação dos vírus é importante para obter uma informação mais clara e exacta da origem do vírus e da sua transmissibilidade, bem como no aconselhamento de medidas de saúde pública a adoptar. Algo que aconteceu recentemente no caso da covid-19, onde a sequenciação foi importante no desenvolvimento de uma vacina.
Esta sexta-feira, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, recomendou o isolamento físico a todos os casos confirmados ou suspeitos de infecção humana por varíola-dos-macacos. A mesma indicação foi dada para todos os contactos de risco com pessoas infectadas ou potencialmente infectadas.
Portugal aumentou o número de infectados de 14 para 23 na sexta-feira, sendo o segundo país europeu com mais casos confirmados, seguido da Espanha, com 30. Ainda esta sexta-feira, mais cinco países anunciaram casos de VMPX: Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá e França. Perante os mais de 80 casos fora do continente africano (onde o vírus tem o seu reservatório nas florestas da África Central e Ocidental), a Organização Mundial de Saúde convocou uma reunião de emergência para discutir os surtos de VMPX.
De acordo com a DGS, os novos casos foram confirmados no final desta quinta-feira. As 23 pessoas infectadas com VMPX “mantêm-se em acompanhamento clínico, encontrando-se estáveis e em ambulatório”, indica a autoridade de saúde.
Um padrão invulgar
“Não é frequente que estes surtos sejam multifocais, ou seja, que apareçam vários surtos em muitos países ao mesmo tempo”, esclareceu Graça Freitas à RTP1. “Já emitimos instruções a todos os clínicos para que, perante os casos suspeitos, possam recolher amostras” para posteriormente serem enviadas ao INSA para análise.
Ainda assim, pelo segundo dia consecutivo, não houve novos casos suspeitos no Centro Hospitalar Lisboa Central, confirmou ao PÚBLICO Fernando Maltez, responsável do Serviço de Doenças Infecciosas.
Ontem, Graça Freitas confirmou ainda que existe “uma reserva da vacina contra a varíola humana” em Portugal, acrescentando, no entanto, que está a ser estudada a hipótese de comprar vacinas de terceira geração: “Neste momento, em parceria com o Infarmed, a Agência Europeia do Medicamento e a OMS, estamos a ver se é pertinente ou não que as pessoas recebam a vacina”. Só existe uma vacina de terceira geração, a MVA-BN/Imvanex, aprovada em 2013 pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês).
Esta é a única vacina contra a varíola humana de terceira geração, aprovada para a prevenção da varíola humana e do VMPX. A vacina não está disponível de forma generalizada, no entanto a empresa responsável pelo seu fabrico, a Bavarian Nordic, já informou que foi assegurado o fornecimento a um país europeu.
“Se a situação continuar a evoluir, se os casos continuarem a aumentar, fará sentido pensarmos em medidas preventivas”, admite Fernando Maltez. “[Esta estratégia de vacinação] terá eficácia se for administrada de forma preventiva aos que são contactos, preferencialmente antes de desenvolverem sintomas, mas dependerá sempre de como evoluir”, disse.
A vacina Imvanex (que nos Estados Unidos foi aprovada com o nome Jynneos) foi aprovada de acordo com circunstâncias excepcionais, o rótulo dado pela EMA quando a doença é rara. Neste caso, a vacina desenvolvida pela empresa dinamarquesa mostrou-se eficaz na protecção da varíola e da VMPX em primatas não humanos, mas nunca foi testada em humanos. Esta vacina tem uma vantagem importante em relação às anteriores: sendo uma vacina não-replicante, isto significa que o vírus que a vacina contém não se pode replicar em células humanas: diminuindo assim a probabilidade de efeitos secundários.
Isolamento apesar de risco muito baixo
“Quem está doente ou esteve em contacto com um doente deve manter o isolamento físico dos outros e não partilhar roupa e objectos”, indicou ontem a directora-geral da Saúde, Graça Freitas. A recomendação avança no mesmo dia em que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) enviou informação aos profissionais de saúde sobre a doença e os procedimentos a adoptar, onde se aponta a recomendação da “necessidade de isolamento e distanciamento físico até à resolução das lesões (queda das crostas)”.
No documento enviado ontem de manhã aos profissionais de saúde, a DGS afirma que o “risco de transmissão na população em geral é considerado muito baixo”. De acordo com a DGS, os novos casos foram confirmados no final desta quinta-feira. As 23 pessoas infectadas com VMPX “mantêm-se em acompanhamento clínico, encontrando-se estáveis e em ambulatório”, indica a autoridade de saúde.
As orientações da DGS para os profissionais de saúde referem a emissão de baixa médica até à queda das crostas provocadas pelas lesões, bem como a higienização e desinfecção de objectos pessoas, vestuário e roupa da cama. Nos casos confirmados ou prováveis, é pedido que sejam rastreados os contactos próximos nos últimos 21 dias. Perante casos suspeitos, aplicam-se medidas de isolamento de contacto e gotículas, como uso de máscaras.