José Sócrates só precisa comunicar ao tribunal mudanças de endereço pessoal?
O antigo primeiro-ministro tem feito viagens regulares ao Brasil para participar num doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e em acções do Partido dos Trabalhadores (PT). José Sócrates está sujeito ao Termo de Identidade e Residência, no âmbito do processo da Operação Marquês, mas não comunicou estas deslocações ao tribunal.
A frase
“Não mudei de endereço pessoal, razão pela qual não me sinto obrigado a comunicar ao tribunal nada mais que não seja o meu termo de residência”
José Sócrates à CNN
O contexto
O antigo primeiro-ministro tem feito viagens regulares ao Brasil para participar num doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo e em acções do Partido dos Trabalhadores (PT). Mas, segundo noticiou a revista Visão, estas deslocações não são do conhecimento dos autos do processo, no âmbito da Operação Marquês, em que o ex-primeiro-ministro continua a ser arguido e sujeito à medida de coacção mínima, o Termo de Identidade e Residência (TIR)
Os factos
José Sócrates tem a medida de coacção de termo de identidade e residência (TIR), aplicada no âmbito do processo Operação Marquês. De acordo com a alínea b) do número 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido de um processo deve ter conhecimento “da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”.
Pedro Delille, advogado do antigo governante, em declarações à agência Lusa, considerou que “José Sócrates continua a residir na Ericeira e nunca se ausentou em termos que o obrigassem a comunicar nova residência onde pudesse ser encontrado”. O advogado citou a alínea d) do número 3 do mesmo artigo do CPP, no qual se pode ler que o incumprimento do TIR “legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência”.
Segundo Paulo Saragoça da Matta, advogado especialista em Direito Penal, o antigo primeiro-ministro não pode ausentar-se do país sem dar conhecimento ao tribunal. “Isto chama-se defesa de conflito que é feita com base no desrespeito pelas instituições e pelo processo onde é arguido”, afirmou o especialista, sublinhando que “a lei é clara”: “Qualquer ausência tem de ser comunicada ao processo”.
E de acordo com Paulo Saragoça da Matta, a alínea d) do número 3 do 196 do CPP, invocada por Pedro Delille, não retira o incumprimento. Aliás, para o penalista, quem desrespeita as medidas coactivas deve ter como consequência um agravamento das mesmas.
Porém, o advogado Magalhães e Silva tem outra interpretação da lei e considera que o TIR apenas serve para garantir a notificação pessoal do arguido no processo. E que, ao não cumprir com a alínea b) do número 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal (CPP), José Sócrates tem apenas, como consequência, segundo a lei, o facto de assumir que prescinde dessa notificação pessoal. Essa é a única consequência do incumprimento. Não diz na lei que a medida de coacção deve ou não ser agravada.
Na alínea d) do número 3 do artigo 196.º do CPP, está isso mesmo: o incumprimento do TIR “legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência”.
Portanto, José Sócrates pode incumprir, tendo como consequência a perda, por exemplo, do direito de vir ao processo invocar uma anomalia em citação ou notificação, capaz de fundamentar nulidade ou irregularidade.
Resumo
A lei determina que José Sócrates comunique ao processo ausências superiores a cinco dias. Não comunicar é um incumprimento que tem como consequência prescindir de um direito à notificação pessoal. Um arguido, portanto, não é só obrigado a comunicar alterações de endereço pessoal, como alega José Sócrates.