Eu sonho com rios vivos
Eu sonho com rios com lontras e libelinhas, rios que oscilam entre caudais bravos e tempestuosos e caudais calmos e mansos ao sabor das estações, rios onde salmões, trutas e bogas migram, rios com zonas húmidas com árvores centenárias e aves belas, como a cegonha-preta e o pequeno guarda-rios. Rios com castores, esturjões e belos nenúfares.
Eu sonho com rios vivos. Rios livres, onde peixes migram ao ritmo das estações. Rios com plantas de todos os tamanhos, feitios e de imensas cores. Rios com a bela e elegante lontra e com o rechonchudo castor. Os rios em Portugal já não são rios, imaginemos o futuro.
Para restaurar rios, ribeiras e pântanos precisamos do roedor engenheiro, o castor. Ao construírem barragens e canais, este engenhoso animal suaviza os riachos, minimiza os picos de cheia e armazena água, diminuindo o período de seca. Ao transformar um ribeiro monótono numa zona húmida diversa, cria habitat para insectos, anfíbios, aves e mamíferos. Ao aumentar as zonas alagadas, cria corta fogos naturais na paisagem e evita custos na gestão de zonas húmidas. É um animal adaptável, que podia existir desde as terras quentes do Alentejo às zonas frescas e húmidas do Minho.
Os peixes que vivem nos rios são a categoria de animais mais ameaçados de Portugal. O calmo gigante esturjão precisa de rios livres, uma grande variedade de habitats para completar o seu ciclo de vida e um compromisso longo para a conservação e restauro da natureza. Ao recuperar populações de esturjão, muitos outros peixes teriam condições para prosperar, como o salmão que migra entre o rio e o mar, ou o barbo que migra entre ribeiras e riachos, entre outros, como o sável, o saramugo, a boga ou a truta. As migrações de peixes transportam nutrientes ao longo de várias distâncias, dão vida à paisagem com abundâncias sazonais e, restauram dinâmicas antigas.
As plantas aquáticas são uma das categorias de flora mais ameaçada do país. Nenúfares brancos e amarelos, ranúnculos com belas flores, trevos de quatro folhas aquáticos, entre muitas outras espécies. Filtram poluição e excesso de nutrientes, são alimento para muitas espécies e espelham a riqueza e diversidade do mundo natural.
A remoção de barreiras grandes e pequenas nos rios e ribeiros restaura funções que o ecossistema precisa para estar em harmonia, ajuda a restabelecer aquíferos, a renovar solos e a restaurar praias e zonas costeiras com novos sedimentos, o que minimiza a erosão e mitiga o efeito do aumento do nível do mar. Por esta razão, a União Europeia lançou o desafio de criar 25 mil quilómetros de rios livres até 2030.
Mas não é só remover barragens (obsoletas e excessivas), não é só reintroduzir o castor, não é só poluir menos, não é só reforçar populações de peixes, não é só diminuir o nosso uso de água, não é só proteger ou reintroduzir uma espécie de planta. São todas as medidas juntas, não há uma solução mágica, há vários passos na direcção certa. O castor cria oportunidades novas para as plantas ameaçadas e cria zonas abrigadas para os peixes se desenvolverem. As plantas aquáticas são uma fonte de alimento para o castor e outros herbívoros, melhoram a qualidade da água, filtrando poluição e excesso de nutrientes, e criam novas oportunidades para a vida selvagem. Peixes dão vida à paisagem. Rios livres dão espaço à natureza.
É preciso repensar a nossa relação com os rios e ribeiros. Se os recursos são finitos, então é preciso partilhar, partilhar recursos entre pessoas, e partilhar entre pessoas e a natureza. Até criar direitos para os rios, linhas de água são uma entidade em si e não apenas um recurso a explorar pelo ser humano.
Eu sonho com rios com lontras e libelinhas, rios que oscilam entre caudais bravos e tempestuosos e caudais calmos e mansos ao sabor das estações, rios onde salmões, trutas e bogas migram, rios com zonas húmidas com árvores centenárias e aves belas, como a cegonha-preta e o pequeno guarda-rios. Rios com castores, esturjões e belos nenúfares.
Eu sonho com rios que dão vida, eu sonho com rios vivos.