Os cientistas já tinham confirmado a presença de elevadas concentrações de partículas microplásticas em todo o oceano Árctico, mas faltava saber de onde vinham e onde se acumulavam de forma clara. Um estudo na revista Scientific Reports cruzou dados de modelos de correntes oceânicas nesta região com simulações de movimentos de microplásticos a flutuar libertados de 21 grandes rios do Norte da Europa. A análise confirma que estes resíduos chegam ao Árctico vindos da Europa e identifica alguns dos locais onde se acumulam, prejudicando a saúde dos ecossistemas.
“Desde o início da produção de plástico na década de 1950, foi produzido um total de 6300 milhões de toneladas métricas (MMT) de resíduos plásticos a nível mundial, e entre 8 e 12,7 MMT destes resíduos plásticos atingem anualmente os oceanos do mundo”, começa por referir o artigo publicado esta quinta-feira. Os autores adiantam que um dos principais pontos de entrada de resíduos nos oceanos encontram-se nos rios que anualmente são agredidos com cerca de uma ou duas toneladas de plásticos por ano, dos quais 50% são microplásticos. Por definição, os especialistas concordam que os microplásticos são partículas que possuem um tamanho inferior a cinco milímetros.
Apesar das inúmeras pesquisas sobre este problema ambiental, sobram dúvidas. Entre outras questões, não estão totalmente esclarecidos os mecanismos que podem controlar a duração da suspensão destas partículas na água, a chamada linha de tempo de suspensão. Uma parte mais pesada destes resíduos afundará na coluna de água ainda no rio ou na sua foz, mas há uma outra porção que persiste a flutuar e que se desloca, empurrada pelas correntes.
“A equipa de investigadores combinou modelos de correntes oceânicas entre 2007 e 2017 com simulações de movimentos de microplásticos flutuantes. Simularam a libertação de microplásticos de 21 grandes rios do norte da Europa e do Árctico todos os dias durante um período de dez anos e modelaram os seus movimentos ao longo de décadas”, refere o comunicado da revista do grupo da Nature sobre o artigo. Com estes dados, os cientistas compararam os resultados do seu modelo com a distribuição de microplásticos flutuantes em 121 amostras de água do mar que foram recolhidas em 17 locais ao largo da costa ocidental da Noruega entre Maio de 2017 e Agosto de 2018.
Concluiu-se que as simulações mostravam que, a partir dos rios, a maioria das partículas assumia duas rotas distintas. Assim, escrevem os autores do artigo, “65% derivaram ao longo da costa norueguesa em direcção ao Mar Laptev – localizado a norte da Rússia – antes de serem transportadas para o oceano Árctico, através do Pólo Norte, e depois saíram do oceano Árctico através do Estreito de Fram – localizado a leste da Gronelândia”. Uma outra parte, de cerca de 30%, “seguiam ao longo da costa norueguesa antes de se deslocarem para sul através do Estreito de Fram (que liga o oceano Árctico e o mar da Gronelândia) e depois ao longo das costas leste e sul da Gronelândia antes de viajarem mais para sul ao longo da costa nordeste do Canadá”.
O mapa mostra claramente as áreas onde se acumulam os microplásticos a flutuar nas águas. “Estas situavam-se nos mares nórdicos, na bacia de Nansen no oceano Árctico, no Mar de Barents e no Mar de Laptev – localizados entre o oceano Árctico e o norte da Rússia – e na Baía de Baffin, localizada entre a Gronelândia e o Canadá”. Sobre a duração desta viagem, as simulações da circulação destas partículas sugerem que os microplásticos flutuantes podem ter circulado em todo o Árctico durante pelo menos dez anos.
No passado mês de Dezembro, um estudo publicado na revista Nature Communications apresentou os resultados de uma outra análise que também acompanhou a viagem de microplásticos no mundo. Mas, desta vez, pelo ar. O trabalho concluiu que as partículas se deslocaram em média 4500 quilómetros, confirmando uma viagem transcontinental e transatlântica deste poluente empurrado pelo vento. A equipa foi até ao Observatório Pic du Midi de alta altitude nos Pirenéus franceses, Sul de França, e recolheu dados sobre a viagem de microplásticos pela atmosfera, para perceber que as partículas detectadas naquele local podem ter sido transportadas, empurradas pela força do vento, por milhares de quilómetros. E quais as fontes? Estes microplásticos vieram de onde? “As potenciais áreas de origem identificadas incluem locais no Norte de África, Espanha, Portugal, França, Reino Unido/Irlanda e até lugares tão distantes como os EUA/Canadá, incluindo os oceanos Mediterrâneo e Atlântico”, escreveram os investigadores.
Algum tempo antes, em Agosto de 2020, num outro trabalho, dois cientistas do Centro Nacional Oceanográfico, do Reino Unido, apresentaram os resultados da sua contabilização de microplásticos no oceano Atlântico. No estudo publicado na revista científica Nature Communications, estima-se que haverá entre 12 e 21 milhões de toneladas de microplásticos de três tipos acumuladas nos 200 metros superiores desse oceano e isto em apenas 5% dele.
De acordo com a literatura científica publicada até aquela data, estimava-se que a quantidade de plástico que entrou neste oceano entre 1950 e 2015 estaria entre as 17 e as 47 milhões de toneladas. O estudo corrigiu a estimativa para pior. “Se supusermos que as concentrações dos três tipos de plástico mais comuns que quantificámos nos 200 metros superiores são representativos das concentrações destes contaminantes no resto do Atlântico (da superfície até ao fundo), então a sua massa em todo o Atlântico poderá ser de, pelo menos, 200 milhões de toneladas”, extrapolava Katsiaryna Pabortsava numa resposta ao PÚBLICO, quando o estudo foi publicado.
Minúsculos pedaços de plástico já foram encontrados nos rios, nos oceanos e até na chuva e na neve. Os cientistas seguem este rasto e contabilizam o prejuízo que, tal como os microplásticos no ar, na terra e na água, acumulam ano após ano.