O direito ao aborto e a discussão sempre atual do feminismo
Este é o direito que reclama para si e, por isso, tem e terá sempre o dever de crescer e amadurecer, ciente desta responsabilidade sua, muito sua, pelo facto de ser mulher.
O direito ao aborto deve ser sempre tema de discussão em sociedades abertas e democráticas e felizmente foi a isso que assistimos ao longo de quase 50 anos de vida democrática no nosso país.
É difícil fazer uma lista de temas ligados com a vida, com o ser humano e com as ciências da vida que estejam fechados e arrumados. A lista dos temas em aberto mantém-se longa, porque são discussões que devem ser sempre novas, uma vez que as gerações se vão renovando e as sociedades modificando.
Saber discutir o aborto é estar aberto a novas ideias, às novidades da ciência, ao constante desenvolvimento do conhecimento e à maior sensibilização para os direitos humanos e para valorização da pessoa.
A consciência cada vez maior do que é ser mulher na vida privada e numa sociedade de direitos, leva-nos a encarar a discussão sobre o direito ao aborto duma forma mais ampla, igualitária e profunda. Já não nos contentamos com discussões polarizadas de sim e não. Discussões pobres e ruidosas!
A mulher é uma das expressões da humanidade, que transporta em si uma capacidade única, só sua: a de gestação de uma vida nova diferente da sua, e a da manutenção dessa vida até nascer. Daí a sua palavra ter um peso maior neste debate. Não a única palavra, mas a de maior seriedade e responsabilidade. Esta responsabilidade dá-lhe a hipótese de ter a última palavra, não a final na discussão, mas a última no momento.
Este é o direito que reclama para si e, por isso, tem e terá sempre o dever de crescer e amadurecer, ciente desta responsabilidade sua, muito sua, pelo facto de ser mulher.
A certeza de que está grávida, a confirmação de que é portadora duma nova vida, com um novo código genético, até aí não existente, transporta a mulher, independentemente do contexto em que vive, para uma fase de transição e crise de mudança. Por isso é muitas vezes intenso o conflito da aceitação/rejeição de passar a ser mulher-mãe.
Então por que se discute este tema? A razão é simples e evidente, o aborto provocado é o verdadeiro dilema ético. O aborto provocado cria um conflito entre dois valores básicos: o da autonomia individual e o da vida. O direito da mulher a rejeitar a criança que espera e que não deseja, ou considera que não poder ter e, o direito à vida do filho por nascer, totalmente dependente da mãe. A questão é qual destes valores se sobrepõem o da autonomia da mulher ou o da vida por nascer
Todo este conflito intensificou-se nos últimos anos, porque o que conhecíamos sobre o desenvolvimento embrionário e fetal não se pode comparar ao que sabemos e conhecemos atualmente. Conseguimos ver e saber uma imensidão de factos e evidências sobre a autonomia do embrião e do feto até terminar o seu tempo de gestação. O embrião e o feto durante toda a sua gestação são cada vez mais um ser humano alvo de cuidados de saúde, de vigilância, de seguimento atento e intervenções quando necessário. Todos estes procedimentos são e estão cada vez mais específicos e especializados.
Estes dados, são dados que temos que trazer para uma discussão pública, sem dicotomias nem demagogias. O conhecimento é essencial para se decidir em liberdade. E isso é independente de se ser perfeito, querido, desejado ou estar contextualizado num ambiente ideal ou irreal. O ser humano por nascer não é diferente consoante o contexto em que se desenvolve, pois, sabemos que todos ao nascer somos iguais em dignidade e valor, porque ao nascer todos recebemos a mesma herança: o percurso e a história de toda a humanidade até esse momento. Esta é a nossa real herança e o que nos faz olhar para o outro em verdadeira igualdade.
Por uma questão de modernidade e de dignidade, façamos discussões que nos tragam dados para cada um poder olhar, pensar e decidir duma forma livre e autónoma, sem ruído de pressões nem falácias.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990