Hóspedes do instante
Naquela noite saiu para as ruas de Sevilha com uma vontade enorme de criar confusão. Encontrava-se numa cidade que conhecia mal, tinha chegado há apenas umas horas.
Saía de situações complicadas como uma turista que rouba um quadro do quarto de hotel e caminha sem pressa, sem medo de represálias. Habituou-se a viver e a sair dos conflitos, não sabe dizer a partir de que idade se acostumou a ser assim. Quando não tinha problemas na vida, sobretudo nesses momentos, inventava-os. A prática recorrente para fazer estragos tornou-a mais hábil na hora de acatar as consequências; encarava o seu estilo de vida como uma espécie de missão atípica e incompreensível para muitos.
Naquela noite saiu para as ruas de Sevilha com uma vontade enorme de criar confusão. Encontrava-se numa cidade que conhecia mal, tinha chegado há apenas umas horas. Deixou a mochila com duas mudas de roupa no quarto da pensão barata, nunca levava consigo mais do que isso, mesmo nas estadias mais longas. Se fosse necessário, lavava as cuecas e as peúgas no lavatório e pendurava-as nos puxadores das portas e janelas do quarto.
Impressionava-a sempre como secavam rápido as peças de roupa. Também gostava de sentir o cheiro a sabonete que exalava da roupa lavada. Trocou os calções que tinha vestidos por umas calças de ganga e caminhou pela cidade em busca de um bom restaurante. Sabia que uma mulher atraente, sozinha e de minissaia, à noite pela cidade, podia ser considerada um isco para içar problemas ligeiros ou graves. Se por um lado a irritava não poder ser livre no que toca à indumentária, como um homem, por outro aproveitava-se muitas vezes dessa desvantagem para criar problemas específicos. Porém, não era esse tipo de conflitos que procurava naquela noite.
Comeu um bife e bebeu meia garrafa de vinho. Meteu conversa com o empregado bastante jovem e conseguiu perceber quais eram os melhores hospitais da cidade, nomeadamente as maternidades. Orientou-se pelo Google Maps até ao Centro Maternal Hospital Quirónsalud Sagrado Corazón; segundo a aplicação, o destino ficava a 24 minutos a pé. Caminhou, ligeiramente ébria, pela cidade que desconhecia. Quando chegou ao destino benzeu-se à porta da maternidade. Não havia ninguém por perto. Tirou um spray grafíti vermelho da mala e começou a escrever em maiúsculas nas portas de vidro: “Hóspedes do instante”.
Acenou para a câmara instalada na parede junto ao topo da porta. Tinha esperança de que a identificassem nas imagens registadas. Não gostava de deixar por mãos alheias a autoria das suas intervenções. Caminhou de volta para a pensão, a adrenalina tinha baixado um pouco e na manhã seguinte tinha de acordar cedo. Ia estar na Universidade de Sevilha, foi convidada como uma das principais oradoras. Caminhava pelo passeio organizando ideias, pensava na sua intervenção na Conferência Internacional de Turismo e História. De súbito, sobressaltou-se, o som da sirene da Polícia atrás de si fê-la interromper um raciocínio que lhe parecia importante.