Casem-se e deixem os outros em paz

Os noivos de hoje já não ficam felizes com a companhia mútua até que a morte os separe. Ou com a companhia de quem amam a aplaudir a cerimónia e a dançar com eles na pista noite fora. Isto já não lhes basta.

Foto
Kate/Unsplash

Ama e faz o que quiseres, disse Santo Agostinho, com toda a sua sabedoria e benevolência. Casa-te e deixa-me em paz, digo eu, com toda a minha impaciência. Antes que comece a atiçar essa classe por si só tão atiçável que é a das noivas, desculpo-me previamente, porque também eu fui noiva, com tudo o que isso parece implicar hoje em dia. Talvez isso me confira mais legitimidade para falar do tema. Sim, estou com medo das noivas. E tenho amigas a contrair matrimónio este ano, não quero ferir a sua aura de véus brancos com as minhas palavras mordazes.

Digo que fui noiva, não por me ter chegado a casar, mas por tê-lo sido num dado período, e por acreditar que esta condição perde o prazo de validade. E porque acabei por desistir de me casar ao aperceber-me de que, apenas para definir o sítio e fazer os convites, a aflição e ansiedade eram de tal ordem que poderiam levar à separação. Admiro os noivos que chegam ao dia do casamento como tal, sobreviventes de uma série de provas de superação.

Ouço com verdadeiro fascínio a minha mãe e as pessoas da sua geração a falar dos seus casamentos. Sim, tempos idos houve em que casar-se consistia na cerimónia na igreja e no copo-d’água. No dia seguinte, devidamente ressacados, os noivos seguiam para a sua lua-de-mel, onde tiravam fotografias que poderiam transformar-se em slides. Fim.

Nesse tempo, não proliferava a palavra que me faz tremer: dinâmicas. Hoje em dia, onde há casamentos, há dinâmicas. E não são apenas as dinâmicas da boda. São dinâmicas que começam no exacto instante em que as fotografias da noiva exultante, de anel no dedo, começam a circular nos grupos de WhatsApp. Na primeira videochamada com guinchinhos, começa a ser plantada em todas as amigas da futura esposa a semente imperativa das dinâmicas.

Há noivos que ficam nervosos, quando percebem que têm de dinamizar logo no pedido: fazem peddy papers, contratam fotógrafos, pilotam helicópteros, grafitam paredes. O auge da dinamização é atingido nas despedidas de solteira, cuja preparação nunca envolve menos de um milhão de trocas de mensagens num grupo de WhatsApp, de nome pouco criativo, mas continuamente dinamizado, em que se constata a incompatibilidade de datas e a disparidade de expectativas em relação ao destino da despedida.

Houve um tempo em que se podia apreciar a comida do jantar de casamento. Agora, não só não se consegue decifrar o que vamos comer, os nomes dos pratos parecem enigmas, os alimentos repousam em camas, como são estes os únicos a repousar; nós não vemos descanso à vista, porque a refeição é interrompida por mais dinâmicas: é pedido que os convidados dinamizem entre si, que elaborem um soneto alexandrino e que se levantem e façam uma coreografia sempre que toca o Marry you do Bruno Mars.

Entre a igreja e o local da festa, dinâmicas. De cavalo, de barco, de autocarro turístico com DJ, de carroça… há que dinamizar a trajectória. E isto, quando, para que a dinamização seja total, os noivos não se lembram de fazer um “destination wedding” e compelir os convidados a voar algures para a Tailândia.

A despedida de solteira da minha mãe foi um jantar no Bairro Alto e saída à noite. Hoje, a despedida tem de durar vários dias e conter dinâmicas variadas: strippers, saltar de pára-quedas, jogos incessantes. Uma mistura de festa infantil com festa universitária americana.

As madrinhas, de saia de tule de ballet e fatos de banho iguais encarnam a difícil missão de contentar a noiva, essa entidade mística, cuja devoção outrora cingida ao dia do casamento inexplicavelmente se alargou para todo o ano de noivado. Ela transforma-se neste ser a que todos têm de agradar, qual imperatriz, e cujo desejo de que as damas de honor usem vestidos cor de mostarda de centenas de euros no dia do casamento deve ser seguido como uma ordem, sob pena de lhes ser dado o pior castigo: a desilusão da noiva.

O problema é que a desilusão da noiva é inevitável, porque ela não é a Cinderela na sua carruagem com os seus sapatinhos de cristal. Ela é uma jovem de chapéu de formato fálico na cabeça, algures em Sevilha, após a ingestão de shots de Pisang Ambon na despedida de solteira, que se endividou para poder contratar a banda de saxofone Porra Louca para o cocktail, e que embarcou neste delírio colectivo que confunde a alegria de uma união com um pacote uniformizado, dispendioso e extravagante, que afinal não contém em si a mínima felicidade.

Não me interpretem mal – eu adoro celebrar o amor. Choro, quando vejo noivos felizes. Mas quando ouço “Os noivos ficariam muito felizes se…”, fico a suar, imagino que me estão a apontar uma arma, sinto-me ameaçada. Porque os noivos de hoje já não ficam felizes com a companhia mútua até que a morte os separe. Ou com a companhia de quem amam a aplaudir a cerimónia e a dançar com eles na pista noite fora. Isto já não lhes basta. Agora, só ficam felizes se comparecermos nos 300 jantares que fazem ao longo do ano, incluindo na véspera do casamento.

“Fábio e Ana casaram-se e viveram felizes para sempre”, está bom. “Fábio e Ana casaram-se, e no dia seguinte obrigaram os convidados, cheios de olheiras e de dor de cabeça, a comparecer no brunch pós-casamento” não é necessário.

Noivos e noivas do mundo, uni-vos. E larguem-nos. Devolvam-nos os casamentos com menos dinâmicas, que não nos faziam sentir que fomos assaltados, e que nos deixavam um ou outro fim-de-semana livres ao longo do ano para encaixarmos as férias. Nós não queremos receber uma newsletter diária com a vossa lua-de-mel. Nós só queremos que sejam muito felizes. E que nos deixem em paz.

Sugerir correcção
Ler 15 comentários