Falta de professores: não é com vinagre que se apanham moscas
Se querem que os alunos tenham professores, criem as condições necessárias para os que cá estão não desistam! Esse deve ser o foco.
“Não é com vinagre que se apanham moscas.” De certeza que todos devem conhecer esta expressão popular e o seu significado. Quando a usamos, queremos dizer que para conquistar as pessoas é preciso oferecer coisas atrativas. No entanto, parece que as medidas ad-hoc do Ministério da Educação (ME) para combater a falta de professores têm sido reflexo de uma enorme falta de noção do real problema. Tive oportunidade de escrever aqui algumas considerações sobre a falta de professores, mas parece que quem decide as ignora.
Há vários exemplos do desfasamento entre as medidas aplicadas e as necessidades. Duas medidas muito simples, que continuam na gaveta, seriam o fim dos horários incompletos, atribuindo às escolas mais capacidade de recursos humanos e a alteração no regime de descontos para a Segurança Social nos professores contratados. Se trabalham 30 dias, descontam por esses dias independentemente do valor de referência.
Quando o ME anunciou despenalizar os 5000 docentes que tinham sido excluídos da contratação, achando que facilmente os conseguiria convencer a voltar, mostrou que, das duas uma, ou não sabe a razão pela qual os professores recusaram a colocação e por isso ficaram penalizados, ou sabe e finge não saber, o que é pior.
Os professores que recusam as colocações fazem-no por vários motivos, que não apenas pelo facto de o horário ser anual e completo. Esse é um dos problemas, não o problema principal. Esta afirmação é tão verdadeira como o facto de ao dia de hoje estarem disponíveis horários anuais e completos por preencher em variadíssimas escolas do país. Por que razão isto acontece? Porque os vencimentos são baixos para arrendar um quarto, porque as vagas são em escolas onde “ninguém quer trabalhar”, porque as turmas são difíceis, fazendo com que a vaga já seja de substituição, de baixa da baixa, por diversos motivos, que vão do tipo de turma, geralmente turmas complicadas ao nível da disciplina, ao tipo de liderança que se pratica em determinado estabelecimento de ensino.
Quando se avança para uma medida destas e se constata o resultado, apenas 116 de 5000 voltaram, não seria o suficiente para perceber que afinal a desistência não está só relacionada com o tipo de vinculação contratual?
Não só esta medida foi altamente desfasada da realidade como abriu um precedente perigosíssimo, que nenhum sindicato foi capaz de impedir, requerendo uma providência cautelar, de perceber que para o atual ministro da Educação as regras dos concursos não são assim tão importantes e podem ser alteradas a seu belo prazer. Quando confrontado com a situação no Parlamento, João Costa respondeu: “Não nos preocupa que as regras sejam diferentes. O que interessa é que alunos tenham aulas.” Frase reveladora do que nos pode reservar o futuro. Todos os meios poderão justificar um fim.
A medida só poderia ter sido vista como positiva se fosse acompanhada por uma outra que pelo menos equiparasse os professores que aceitaram contratos de poucas horas, para acumular tempo de serviço, sujeitando-se às regras antigas, a partir de 29 de abril. Piora, quando se dá indicação que estes mesmos professores, que agora aceitaram a colocação em horário anual e completo, poderão ser reconduzidos nos cargos e os que o fizeram uma semana antes não! Parece-me que se está a beneficiar o “infrator” em detrimento de todos os outros que fizeram as suas escolhas considerando as regras legais existentes.
A medida foi não só ineficiente, atendendo aos números, como criou um mal-estar enorme dentro da classe docente. Valeu a pena? Tenho a certeza que não. Se querem que os alunos tenham professores, criem as condições necessárias para os que cá estão não desistam! Esse deve ser o foco! Só assim mudar-se-á a perceção social sobre a profissão e naturalmente levará a que todos os que pensam em ingressar na profissão a sintam como uma carreira atrativa.
Recuperando a frase de João Costa sobre o facto de que o que interessa é que os alunos tenham aulas, pergunto se isso serviu só para encaixar esta medida de enorme injustiça ou vai começar a tratar dos problemas que há anos fazem com que os alunos percam aprendizagens mesmo tendo aulas? De entre outros, temos os casos específicos das turmas mistas/multinível, das turmas numerosas, da inclusão feita sem condições ao nível dos recursos humanos, da indisciplina escolar, da forma ineficiente com que se substitui um professor de baixa, chega a levar três a quatro semanas, percorrendo o obsoleto sistema centralizado das reservas de recrutamento. O sistema de reservas de recrutamento devia ser eliminado. Com os meios que existem, as substituições poderiam ser acionadas no dia seguinte à necessidade, agilizando o processo e fazendo com que os alunos tivessem aulas novamente no menor espaço de tempo possível.
Que tal começar por aqui, que também servirá para tornar a carreira mais atrativa?
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990