Em silêncio, admirei esta imagem

Por ano, o buraco negro no centro da Via Láctea “engole” o equivalente a pouco menos da massa da Lua, o que é, surpreendentemente, muito pouco.

A nossa geração foi presenteada, mais uma vez, com uma imagem da sombra de um buraco negro. O imaginário sobre buracos negros que é tão transversal à sociedade é agora alimentado, não por uma, mas por duas imagens. Desta vez, a atenção recai em algo que se encontra no centro da nossa galáxia. Com o nome de Sagitário A* (SgrA*), este corpo já é conhecido há muito tempo, mas a espera por estes resultados pareceu ainda maior.

Desde que, em 2019, se apresentou a imagem da sombra do buraco negro no centro da galáxia Messier 87 (M87*), eu e os meus colegas éramos frequentemente questionados para quando a imagem de SgrA*. Eu respondia sempre que “isso queria eu saber...”, o que era verdade. O facto de estar no observatório ALMA a realizar essas observações só me deixava mais curioso para um dia poder, finalmente, ver e admirar essa imagem de SgrA*. Agora posso responder que, em silêncio, admirei esta imagem.

Ambos os resultados são baseados em observações feitas em 2017. Por isso, qual é a diferença destes novos resultados relativamente aos de 2019 e porque é que estes demoraram mais a aparecer? Qual é o impacto que têm no nosso conhecimento?

Comecemos por comparar os dois corpos. M87* é como se se tivesse compactado a Pequena Nuvem de Magalhães (uma galáxia-satélite da nossa) num espaço pouco maior que o nosso Sistema Solar, enquanto SgrA* é como ter o enxame globular Omega Centauri (o maior grupo de estrelas na nossa galáxia) compactado num espaço menor do que a órbita de Mercúrio. Basicamente, SgrA* é mil vezes mais pequeno do que M87*, mas está mil vezes mais perto de nós. Por causa disso, a imagem varia muito mais, na morfologia e no brilho, do que a de M87* durante as observações, o que dificulta a tarefa. Ainda assim, é outro “laboratório” importante que nos permite testar as nossas teorias que melhor explicam até agora o nosso Universo a uma escala e em condições significativamente diferentes.

Felizmente, tal como em 2019, também estes dados revelam que Einstein continua certo, e com isso a certeza de que continuamos no bom caminho. Mas os dados dizem mais. Agora sabemos que, desde a Terra, estamos a ver SgrA* de cima e que ele roda no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Sabemos que, por ano, o equivalente a pouco menos da massa da Lua é “engolida” por SgrA*. O que é surpreendentemente muito pouco. Conjuntamente com os resultados de 2019, sabemos hoje um pouco mais sobre a origem dos jactos oriundos da vizinhança destes monstros.

Todos estes detalhes não seriam possíveis sem a colaboração imensa entre grupos diversos, de culturas diferentes, com opiniões distintas, mas que se uniram para criar uma rede de telescópios poderosa. O facto de muita gente se referir as estas imagens como desfocadas é, de certa maneira, injusto. Digo isto, porque o detalhe que se conseguiu com o Telescópio de Horizonte de Eventos (EHT) é o equivalente a eu estar a segurar uma agulha no Chile e o leitor que se encontra em Portugal tenta ver através do buraco da agulha.

Este último facto faz-me querer terminar este artigo abordando brevemente o conceito de erro na ciência e como é visto pela sociedade. Esta última tende a procurar na ciência respostas certas, mas isso não existe. O leitor mais curioso que terá paciência de ler os artigos publicados, irá ver a quantidade de vezes que a palavra erro é mencionada. As nossas respostas são tão certas quanto o que a instrumentação actual nos deixa ver. Quanto mais esta melhora, mais temos a certeza de um caminho que fazemos juntos e que nos leva a novas perguntas. (Re)conhecer e caracterizar o erro é o que nos permite avançar no conhecimento e cimentar cada passo que se dá. Sem essa capacidade, eu não estaria hoje a escrever num computador, e o leitor a ler estas palavras. Reconheçam e aceitem o erro, e talvez assim consigamos resolver o grande problema actual: a emergência climática.

Sugerir correcção
Comentar