Bairros do Porto têm mais de 2000 idosos em risco de isolamento
Projecto camarário Porto Importa-se, de combate à solidão de inquilinos municipais com mais de 70 anos, vai iniciar terceira edição. Pandemia fez subir risco de isolamento. É preciso “reinventar os modos de habitar”, defende vereador Pedro Baganha.
Os moradores mais velhos dos bairros sociais do Porto estão sós e, muitas vezes, em estados depressivos. A constatação é dos técnicos do projecto Porto Importa-se – uma parceria entre a autarquia e o Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP) –, que desde 2018 têm acompanhado inquilinos municipais com mais de 70 anos e casais com mais de 75 e tentado amparar essa solidão. Até agora, foram identificados 323 casos de isolamento social severo, considerados de intervenção prioritária – e 130 estão a ser acompanhados.
Os dados foram apresentados esta quarta-feira no ISSSP e saíram do diagnóstico de base para o Porto Importa-se, que vai iniciar a sua terceira edição, a decorrer até 2024. A ideia do projecto, contou o vereador Pedro Baganha, nasceu do olhar dos técnicos da Domus Social que no seu trabalho de terreno perceberam que havia no Porto situações de risco de isolamento social – e de problemas de saúde mental daí decorrentes. À administração da empresa municipal de habitação chegaram, então, com uma proposta de apoio para estas pessoas. Dos 30 mil inquilinos municipais, 7% (cerca de 2100) têm mais de 70 anos e estão sinalizados como estando em risco de isolamento social, afirmou o vereador da habitação. “É um número que o município não pode nem quer ignorar.”
Garantindo que o combate a este problema é uma “prioridade” para a Câmara do Porto, Pedro Baganha assumiu a vontade de “reinventar os modos de habitar” a cidade, adoptando tipologias habitacionais que dêem resposta a casos como os que são acompanhados pelo Porto Importa-se – até porque, disse, o parque habitacional, maioritariamente construído no século XX, foi desenhado para outra “clientela”, não tão idosa. A cidade tem neste momento oito habitações partilhadas por inquilinos mais velhos e está a “equacionar criar uma outra residência partilhada, em Ramalde”.
“As tipologias clássicas já não resolvem os problemas quando temos um conjunto significativo de inquilinos sem retaguarda, sem família, em situações de isolamento social que fazem cair as pessoas em situações depressivas”, apontou.
Isaura Azevedo, moradora do bairro do Cerco com 74 anos, declara-se só. Viúva há 20 anos e aposentada da sua actividade de feirante, fez da casa casulo para o mundo. Abrir a porta a estranhos era contra a sua natureza. Mas quando as “meninas” deste projecto lhe apareceram à frente sentiu que vinham enviadas por algo superior. “Nunca pedi ajuda a ninguém, mas elas caíram na hora certa”, disse emocionada perante um auditório cheio de jovens estudantes do ISSSP.
O encontro aconteceu no início da pandemia, contou ao PÚBLICO a assistente social e técnica do Porto Importa-se Andreia Moreira. “Parecia que éramos os únicos que não tínhamos medo da pandemia”, recordou ao lado de Isaura Azevedo. Com máscaras, gel e distância social, entraram nas casas camarárias e ampararam solidões.
Com visitas regulares e contactos telefónicos, fazendo mediação com a família, integração em centros de dia ou projectos de voluntariado, trabalhando as redes de vizinhança. E entregando pulseiras de teleassistência, com as quais os idosos podem pedir ajuda a qualquer hora. “Não acaba com o isolamento, mas dá alguma segurança”, apontou Andreia Moreira.
O diagnóstico feito pelos técnicos prioriza a questão do risco de isolamento social, mas analisa também os recursos económicos do idoso ou casal, as condições de habitação, a acessibilidade a serviços de saúde e capacidade de realização de tarefas diárias. Nos casos em que são detectados problemas, é dado apoio do projecto e de redes de apoio locais (as juntas de freguesia são importantes parceiras).
A pandemia foi uma machadada num problema já antes grave. “Teve um impacto significativo nos recursos sociais dos mais velhos e aumentou consideravelmente o risco de isolamento social”, apontou Joana Guedes, do ISSSP, contando que na segunda edição do projecto, em 2020, havia “menos contacto com outros e menos satisfação nesse contacto” e também “menos satisfação no contacto com a família”. O número de casos considerados de intervenção prioritária foi muito superior na segunda fase do projecto, em altura pandémica (17% dos casos na primeira edição e 49% na segunda).
O panorama nacional de “envelhecimento galopante” é “avassalador e preocupante”, diagnosticou Joana Guedes. “As pessoas estão sós e muitas vezes em contextos de enorme fragilidade. São precisas não só políticas sociais, mas também redes de solidariedade e projectos como este”. O desafio, juntou Pedro Baganha, será provavelmente, “a médio e longo prazo”, o maior que o país terá em mãos.