Vírus da linguagem contamina a Lourinhã há dez anos
Sob o tema “A linguagem é um vírus”, começou nesta terça-feira a 10.ª edição de um encontro que parte dos livros e se alastra a outras formas de comunicação. Dez anos é muito tempo? Sim e não.
Há dois anos, não se realizou; no ano passado, foi à distância; agora, voltou ao formato presencial: “Em carne e alma”, afirmou José Tomé, vereador da Cultura e da Educação da Câmara da Lourinhã, na abertura da 10.ª edição do Festival Livros a Oeste. “Porque nada substitui o convívio desta maneira”, acrescentou.
A frase escolhida pelo programador João Morales para este ano — “a linguagem é um vírus”, do escritor William S. Burroughs — “justifica-se plenamente, recordando a poderosa metáfora criada por um dos grandes nomes da beat generation, a qual ganhou uma força redobrada dadas as circunstâncias mundiais que vivemos”, diz.
Na apresentação do programa, a 8 de Abril, no bar Vigia, na praia da Areia Branca, o jornalista já tinha explicado: “Queremos questionar o que é esta coisa de a linguagem nos contaminar, de nos abranger e de ser, no fundo, a ponte que todos nós, seres humanos, utilizamos para comunicar.” Linguagem num sentido amplo, “como amplo tem sido o olhar que temos sobre um evento desta natureza”, lembrou. “Daí continuar a abranger exposições, teatro, música, literatura”, numa lógica de complementaridade entre linguagens artísticas e formas de comunicação.
Assim, nesta edição, pode assistir-se ao lançamento de livros (Biblioteca Municipal da Lourinhã), a conversas com autores (Auditório Dr. Afonso Rodrigues Pereira), a espectáculos de música e teatro (Auditório da AMAL), pode ler-se poesia na rua (Praça José Máximo da Costa, “Os Cantos das Palavras”) ou ouvi-la na taberna (Consultório Taberna, “A poesia é que nos cura… no consultório”) e também visitar-se a exposição de cartoon de Nuno Saraiva (Galeria Municipal da Lourinhã, Diário de Uma Quarentena em Risco, até 4 de Junho) e passear-se pela feira do livro (instalada pela Convergência na Praça José Máximo da Costa, até 15 de Maio).
Para o vereador da Cultura, José Tomé, “dez anos é muito tempo”, no sentido de se ter criado um percurso sólido que aposta na inovação e diversidade. No entanto, disse, na praia da Areia Branca: “Gostaríamos de ter mais público, a Lourinhã merece. Tem sabido receber e captar pessoas com a razão de virem ao Livros a Oeste.” Referiu ainda que é esta dinamização e divulgação que permite que certos convidados mais conhecidos e reconhecidos adiram. “Não conseguiríamos trazê-los à Lourinhã”, concluiu.
O cerne são as boas conversas
Segundo o programador, “a continuidade é uma mais-valia” e recorda que “muitos miúdos fizeram o seu percurso escolar com o hábito de terem visitas de autores todos os anos”. Um dos objectivos do festival é “aproximar os leitores dos escritores e desmistificar a ideia de que são pessoas inacessíveis”. Por isso, possibilita conversas e encontros descontraídos entre a população e os convidados. “Há dez anos, nas localidades pequenas, isto não acontecia”, assegura João Morales ao PÚBLICO.
Consciente de que o festival leva à “geração de riqueza no território” e que “mexe” com ele, o programador explica que o encontro “tem vindo a ser transformado e melhorado, numa visão 360º”. O que se pretende, segundo João Morales, é “continuar a criar pretextos para poder convidar pessoas surpreendentes, que têm boas ideias e que proporcionem boas conversas”. Resumindo: “O cerne são as boas conversas.”
Motivar para a escrita
O responsável camarário, José Tomé, realça a ligação do festival ao mundo escolar, que possibilita encontros com escritores e ilustradores nos vários níveis de ensino. Foi criado um prémio de contos para motivar a população a escrever, sendo os vencedores de cada escalão (alunos do 3.º ciclo, do secundário e público em geral, até 30 anos) anunciados no primeiro dia do festival. Coube ao contador de histórias Jorge Serafim fazer saber nesta terça-feira que os vencedores foram Rui Justino, Ana Araújo e Diana Oliveira.
O tema, apropriado ao contexto presente, reenvia-nos para uma obra de literatura universal, À Procura do Tempo Perdido (de Marcel Proust).
Alguns nomes dos convidados do Livros a Oeste são recorrentes, como Afonso Cruz, Rui Zink, Mário Zambujal ou Sérgio Godinho. “São uma espécie de embaixadores do evento. Ajudam a fortalecer a espinha dorsal do festival, fazem a ponte com os estreantes e atraem público”, descreve o jornalista ao PÚBLICO.
Na primeira noite, estiveram no Auditório Dr. Afonso Rodrigues Pereira justamente Afonso Cruz e Rui Zink, com Maria Emília Brederode Santos, com moderação de João Morales, em conversa sobre “Temos livros, somos livres”.
Na noite desta quarta-feira, Sérgio Godinho, João Melo e Tony Tcheka estão no mesmo palco a reflectir à volta da ideia “Temos fantasmas tão educados, que adormecemos no seu ombro”.
A quinta-feira será essencialmente dedicada a José Saramago. De dia, nas escolas e na rua; ao fim da tarde, na biblioteca, 18h30 (com Miguel Real e João Céu e Silva, “A linha infinita e uma longa viagem com José Saramago”), e à noite, no auditório, 21h30 (com a presença de Carlos Vaz Marques e Guilherme D’ Oliveira Martins e com entrevistas gravadas de Carlos Reis e Pilar del Rio, “Uma Vida D’escrita”).
O festival, que prossegue até sábado à noite, já tem uma aceitação muito diferente por parte da comunidade, “deixou de ser olhado com alguma desconfiança, pela novidade, como de início”, recordou o coordenador na abertura da 10.ª edição do Livros a Oeste. Para concluir: “Toda a Lourinhã está de parabéns.”