Virgínia Rodrigues ao vivo no CCB com um ensemble de contrabaixos
A cantora baiana Virgínia Rodrigues actua em Lisboa num espectáculo único, só voz e contrabaixos. E prepara um novo disco com Tiganá Santana e Paulinho da Viola. Sábado, no CCB, às 21h.
Foi no ano 2000, há vinte e dois anos, que Virgínia Rodrigues actuou pela primeira vez em Portugal. Incentivada por Caetano Veloso a gravar, trazia na bagagem dois discos com direcção artística dele, Sol Negro (1997) e Nós (2000). Voltaria mais vezes, como a que a levou ao Porto, em Julho de 2009, a abrir o Festival Mestiço na companhia de Naná Vasconcelos (1944-2016). Agora, a cantora está de regresso aos palcos portugueses para um concerto único, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), onde será acompanhada por um ensemble de contrabaixistas. O concerto está marcado para este sábado, às 21h e integra-se no programa “carta branca” ao músico Jonathan Uliel Saldanha.
“Nasci no dia 31 de Março de 1964, numa terça-feira, às três horas da tarde. Por isso é que para mim não há meias, tem que ser hora certa: sim, sim, não, não.” Isto disse Virgínia ao PÚBLICO em 2000. Com uma peculiaridade: o dia do seu nascimento foi o golpe militar que afastou João Goulart da Presidência no Brasil no Brasil, instaurando uma ditadura militar que viria a durar duas décadas. A voz profunda e bem timbrada moldou-a em coros de igreja na sua Bahia natal, coros esses onde se refugiou, como disse também nessa altura, porque não tinha paciência para os outros rituais do culto.
Quando Caetano a conheceu e a convenceu a gravar um primeiro disco, Virgínia ainda sofreu um pequeno “choque” com as parafernálias técnicas dos estúdios, a que não estava habituada, mas o destino não a deixou voltar atrás. Correu palcos pelo mundo, tornou-se conhecida e gravou mais discos: Mares Profundos (2004) Recomeço (2008), Mama Kalunga (2015) e, mais recentemente, Cada Voz é Uma Mulher (2019), onde cantou autoras como Aline Frazão, Sara Tavares, Mayra Andrade, Iara Rennó, Alzira E, Ceumar, Mathilda Kovak, Luedji Luna, Lenna Bahule e Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora do célebre livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.
“Mama Kalunga foi um disco muito bonito, depois de eu estar oito a nove anos sem gravar”, diz agora Virgínia ao PÚBLICO, dias antes do seu concerto no CCB. “Foi muito prazeroso fazer e eu ganhei o prémio de melhor cantora brasileira com esse disco.” Quanto a Cada Voz é Uma Mulher, diz Virgínia: “Gravar só compositoras mulheres foi uma experiência boa e nova para mim, porque eu já tinha gravado mulheres, mas não num disco inteiro. Conheci jovens e grandes compositoras.”
No disco Cada Voz é Uma Mulher (2019), Virgínia gravou, além de jovens compositoras do Brasil, como Luedji Luna, também africanas como a angolana Aline Frazão, a cabo-verdiana Mayra Andrade ou a moçambicana Lenna Bahule, mas não concretizou ainda um dos desejos que expressara na sua entrevista de 2000: visitar África, de onde vieram as raízes do candomblé, que continua a ser muito importante para ela, na sua formação e na vida quotidiana. “Graças a Deus, o candomblé ainda é a minha religião. E morrerei assim. Mas infelizmente ainda não conheci África. Fui a Marrocos, mas não fui a Angola, a Moçambique, ao Benim… E isso para mim é que é África. Porque quero ir à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, terra de Cesária Évora, que é muito querida no Brasil e na Bahia.”
Nos anos mais recentes, fora do Brasil, Virgínia tem percorrido sobretudo a Europa e os Estados Unidos. “França, Alemanha, em Setembro irei à Bélgica.” A pandemia afectou essa circulação, a começar pelo Brasil. “Não temos feito shows aqui. A vida cultural brasileira está muito ruim, muito difícil. Ficámos dois anos sem cantar, por conta da pandemia, mas também de um governo estranho que temos. Agora é que as coisas estão começando a se abrir, mas estamos indo devagar.”
Em Portugal, no CCB, Virgínia diz que tocará “com dois contrabaixistas”: “Um daqui do Brasil e outro de Portugal. Estou saindo da minha zona de conforto, não sei como vai ser. Já gravei uma canção só com contrabaixo, no Sol Negro, mas um show inteiro não. Vai ser a primeira vez.” Este espectáculo surge num momento em que ela já prepara outro disco. “É um projecto novo, que eu devo levar para a Europa, inclusive para Portugal, no início do ano que vem. Chama-se Poesia e Nobreza e nele estou gravando um artista aqui da Bahia, Tiganá Santana, e Paulinho da Viola.” O disco deverá estrear-se no Brasil ainda em este ano, com uma digressão europeia em 2023.