ICNF: à sombra do eucalipto
Portugal merece uma outra natureza, mais vasta, mais diversa e mais abundante. Para fazer face aos desafios das alterações climáticas, capturar e armazenar carbono, para preservar a rica vida selvagem na Península Ibérica e criar novas oportunidades de desenvolvimento em zonas rurais.
O ICNF, Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas, é pouco conhecido, mas tem um papel único e importante. É responsável pela conservação e restauro da natureza em Portugal. Esta é uma análise crítica, de uma entidade à deriva, de um instituto sem visão.
Primeiro, por não ser uma entidade dedicada só à conservação da natureza (está também encarregue das florestas), origina, inúmeras vezes, conflitos internos entre gestão florestal e conservação da natureza: os casos da Serra da Lousã, da Mata dos Medos ou do Pinhal de Ovar são exemplos claros e recentes.
Segundo, a condenação do tribunal europeu ao Estado português, por não conservar habitats e espécies ameaçadas de fauna e flora, é um certificado à incapacidade do ICNF de conservar e restaurar a natureza.
São várias as razões para a situação: as áreas protegidas apenas existem no papel. Os planos de gestão de áreas classificadas são quase uma nulidade e, por vezes, são encomendados a empresas externas com pouca ou nenhuma experiência. Os planos de monitorização (o primeiro passo para conservar é saber o estado ao longo do tempo de habitats e seres vivos) são raros.
O lobo tem direito a um censo nacional a cada 20 anos, assim como a lista vermelha dos mamíferos, que não é actualizada há quase duas décadas. Conservação da natureza à moda “terreno do vizinho” é um clássico de norte a sul do país. O ICNF tem poucos terrenos próprios e, como consequência, em várias situações tem que fazer conservação em terrenos de privados, comunitários (baldios) ou em áreas ao abandono, o que cria imensas limitações e promove conflitos. Por último, os vigilantes da natureza têm 1001 tarefas e ainda acções como monitorizar pragas florestais ou fiscalizar animais de companhia, actividades pouco ou nada ligadas à conservação da natureza.
Terceiro, a caça. Todo o território é por defeito zona de caça, menos zonas urbanas e algumas áreas agrícolas, o que não beneficia nem a caça, nem a conservação da natureza. Zonas de não-pesca fazem aumentar os stocks de peixes para pescadores, zonas refúgio de caça têm o mesmo potencial mas em terra, apesar disso são raras. A dualidade de critérios também é comum, reforços populacionais para caça são processos simples e facilmente aprovados; reintroduções ou reforços populacionais para conservação da natureza, à excepção do lince, são complexos e dificilmente aprovados.
Quarto, incentivos económicos: a nível financeiro, as receitas provenientes de explorações florestais e taxas de caça, pesca e outras representam perto de 85% das receitas próprias do ICNF, cerca de 40% do orçamento total do Instituto. As receitas com conservação da natureza, por outro lado, são insignificantes ou inexistentes, como verbas de visitas a áreas protegidas, contribuições de operadores turísticos ou receitas por usos de espaços naturais.
A falta de visão e de rumo é clara, a co-gestão das áreas protegidas representa dois passos atrás quando era preciso dar um passo em frente. Para além do lince ibérico, reforços populacionais ou reintroduções de espécies localmente extintas ou ameaçadas são inexistentes. Espécies como o castor, a cabra montesa, o quebra ossos, o esturjão ou grandes mamíferos como o cavalo selvagem estão ausentes e esquecidas. A aposta em “paisagens humanizadas” é uma estratégia do século XX, cara, pouco eficaz, com resultados medíocres e não é sustentável a longo prazo.
Há bons profissionais no Instituto, competentes, motivados, com vontade de aprender e com amor pela natureza. Mas é preciso fazer mais e sonhar mais alto. Reformar a estrutura do ICNF, usar os fundos e recursos de uma maneira eficiente e inteligente e criar um plano ambicioso a longo prazo para a conservação e restauro da natureza.
Portugal merece uma outra natureza, mais vasta, mais diversa e mais abundante. Para fazer face aos desafios das alterações climáticas, capturar e armazenar carbono, para preservar a rica vida selvagem na Península Ibérica e criar novas oportunidades de desenvolvimento em zonas rurais, só a conservação e o restauro da natureza dá resposta a todos estes desafios sem comprometer outro.
O ICNF não pode continuar à sombra do eucalipto.