São duas das notícias do momento e os factos ainda estão a ser apurados, por isso há mais que não sabemos do que aquilo que já sabemos. Mas vamos à primeira pergunta que abre esta newsletter: o que aconteceu afinal com os refugiados ucranianos em Setúbal?
A notícia foi dada na sexta-feira pelo Expresso: há refugiados ucranianos em Portugal, recebidos pela Câmara Municipal de Setúbal, no seu gabinete de apoio aos refugiados, que dizem ter sido questionados por “russos” que lhes fizeram perguntas sobre os familiares que ficaram na Ucrânia e que lhes fotocopiaram o passaporte e os documentos das crianças. Os refugiados dizem que estes russos serão apoiantes de Moscovo, que invadiu a Ucrânia, e afirmam que têm medo do que lhes possa acontecer aqui em Portugal (e aos seus familiares que ficaram na Ucrânia, sobre os quais foram feitas perguntas). Em causa estarão 160 refugiados.
Quem são os tais russos?
Referem-se dois nomes:
- Yulia Khashina, uma funcionária da Câmara Municipal de Setúbal, jurista, que entrou em funções em Dezembro e foi afastada na sexta-feira, por causa deste caso
- Igor Khashin, marido de Yulia, que não é funcionário da Câmara de Setúbal, foi um destacado dirigente da comunidade russa em Portugal (foi presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos), e é líder da Associação dos Emigrantes de Leste (Edintsvo). Estaria a ajudar Yulia no gabinete de apoio aos refugiados
E qual é o problema afinal?
O Expresso recorda o que a embaixadora da Ucrânia, Inna Ohnivets, denunciou em Abril à CNN: que há “associações pró-russas, com uma ligação muito estreita à embaixada russa”, que estão a receber refugiados ucranianos em Portugal e que “podem receber informações sobre os dados pessoais destes refugiados e também sobre os familiares que participam no exército ucraniano”, e que “esta informação é interessante para a espionagem russa”. O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadoka, faz a mesma acusação, sublinhando que o problema não é a nacionalidade russa mas sim a suposta colaboração das associações com o governo russo.
Mas há provas de que isso esteja a acontecer, a Rússia a espiar refugiados em Portugal? Há mesmo informações pessoais de refugiados em Portugal e dos seus familiares na Ucrânia a serem passadas à Rússia?
Não, para já não há provas. Há apenas o receio declarado por alguns refugiados ucranianos recebidos em Setúbal e há a acusação feita pela embaixadora da Ucrânia e outros membros da comunidade.
As autoridades estão a investigar o caso?
Estão. A própria Câmara de Setúbal pediu ao Governo uma investigação. O Governo, através do Ministério da Coesão Territorial (que tem competência sobre as câmaras municipais), entregou o caso à Inspecção-Geral das Finanças, que costuma investigar estes serviços.
Vai também haver uma investigação por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados, uma vez que há muitas dúvidas sobre a legalidade do processo de fotocópia dos documentos dos refugiados e sobre a segurança dos dados que foram recolhidos. Se se confirmar que houve aqui uma falha da Câmara de Setúbal, pode haver uma multa muito pesada para a autarquia. É um caso que faz lembrar o escândalo, em 2021, dos emails com dados de manifestantes que foram enviados pela Câmara de Lisboa a embaixadas de vários países alvos de protestos na capital, incluindo a embaixada da Rússia. Esse caso terminou com uma multa de mais de um milhão de euros para Lisboa.
E a polícia, não investiga?
Que se saiba, não há nenhuma queixa-crime sobre o caso. A Inspecção-Geral das Finanças e a Comissão Nacional de Protecção de Dados estão a fazer as suas próprias investigações. Só se identificarem que houve algo com carácter criminal é que deverão enviar as suas conclusões ao Ministério Público, e a partir daí é que poderá haver uma investigação criminal. Mas não até agora nenhuma informação nesse sentido.
Que consequências políticas pode haver para a Câmara de Setúbal e para o Governo?
O presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (membro dos Verdes, que formam a CDU com o Partido Comunista Português), responsabiliza o Governo por não ter alertado que havia associações pró-Moscovo activas em Portugal. O primeiro-ministro António Costa diz que a Câmara de Setúbal nunca fez qualquer pergunta ao Governo sobre estas associações (Setúbal diz que fez) e pede “haja serenidade” em relação ao caso.
“Não vale a pena estarmos a alimentar suspeições e dúvidas, se houver algum comportamento ilegal as instituições actuarão, se não houver toda a ajuda é bem-vindo e não podemos estar sempre a levantar suspeições sobre tudo”, disse António Costa no domingo.
Na Assembleia da República, vários partidos (Iniciativa Liberal, PSD, PAN, Chega, Livre e Bloco de Esquerda) expressam “preocupação” com a “gravidade” das suspeitas e pedem esclarecimentos urgentes ao Governo e à Câmara de Setúbal. André Martins deverá mesmo ser ouvido no Parlamento. Há acusações especialmente graves do PSD e da Iniciativa Liberal, que sugerem que há uma colaboração entre o PCP e a Rússia.
E o PCP?
Os comunistas têm sido alvo de duras críticas desde o início da invasão russa da Ucrânia, por recusarem inicialmente dizer as palavras “guerra” ou “invasão”, e por insistirem até hoje em juntar a própria Ucrânia, a NATO, os Estados Unidos e a União Europeia à lista de de responsáveis pela guerra. Os outros partidos, bem como o Governo, acusam o PCP de defender a Rússia. Os comunistas recusam essa acusação, dizem que defendem apenas “a paz” e exigem que se trabalhe para uma solução política para o conflito em vez de enviar armas para a Ucrânia. Quando o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky discursou para a Assembleia da República, em Abril, os deputados do PCP abandonaram a sala. Estas posições têm sido mal recebidas pela comunidade ucraniana em Portugal, incluindo pela embaixada.
Em relação ao caso de Setúbal, cuja Câmara é governada pela CDU, os comunistas criticam o que consideram ser insinuações xenófobas em relação aos russos que vivem em Portugal e lembram que a associação Edintsvo de Igor Khashin também trabalha com outras câmaras de outros partidos, e até com o SEF (que entretanto suspendeu essa colaboração), recusando assim a ideia de uma colaboração especial entre os comunistas e elementos da comunidade russa.
Houve uma demissão no Governo. Teve alguma coisa a ver com o caso de Setúbal?
Não. A secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Sara Abrantes Guerreiro, demitiu-se por motivos de saúde. Não há relação com o caso de Setúbal. Isabel Maria Almeida Rodrigues é a nova responsável do Governo pelas migrações.
Uma nova ameaça de saúde global?
Outro tema que traz mais perguntas que respostas, e que ainda pode encher os jornais e as televisões nos próximos dias: os até agora inexplicáveis casos de hepatite que têm aparecido em crianças em vários países.
O que se passa?
Foram detectados nos últimos meses pelo menos 169 casos súbitos de hepatite em crianças e adolescentes nos Estados Unidos e na Europa, sobretudo no Reino Unido. Há também casos sob investigação na Ásia. Há registo de pelo menos uma morte a nível mundial. Em 10% dos casos, foi necessário fazer um transplante de fígado, o que demonstra a sua gravidade. Ainda não há casos em Portugal.
Qual é a causa?
Esse é o problema: ainda não se percebeu a origem destes casos de hepatite. A teoria considerada mais realista é a de uma infecção por um adenovírus. Outra hipótese é a de uma relação com o SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19. Outra ainda relaciona a doença com uma redução das defesas imunitárias das crianças depois de praticamente dois anos de medidas de contenção do contágio da covid-19. Há ainda a hipótese de estar relacionada com uma toxina, mas a existência de casos em vários pontos do planeta torna a teoria muito pouco provável.
E as vacinas contra a covid-19, terão alguma relação com os casos?
Não, até porque a maioria dos casos registados são em crianças que não foram vacinadas, por serem demasiado novas (têm entre 3 e 6 anos).
É uma situação preocupante?
A Organização Mundial de Saúde diz que o surto é um assunto “muito urgente” e prioritário, e que está a trabalhar com o Reino Unido, o país mais afectado, para perceber a origem da doença e o que se pode fazer.
E o que podemos fazer entretanto?
Recomenda-se aos pais e educadores que estejam atentos a sintomas como urina escura, olhos e pele amarelados (icterícia), fadiga, febre, perda de apetite, náuseas, vómitos, dores abdominais, fezes de cor clara e dores nas articulações. Mas, mais uma vez, não há indicação de casos em Portugal.
Continuaremos a acompanhar estas e outras histórias no PÚBLICO. Boa semana!