Dermatologista alerta para riscos de substâncias proibidas em cosméticos branqueadores
Uso indiscriminado aumenta o risco de cancro ao nível da pele, alerta dermatologista da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia.
O uso de branqueadores de pele com substâncias como a hidroquinona, proibida nos cosméticos, aumenta o risco de cancro e, por essa razão, apenas os medicamentos a podem conter, refere uma responsável da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia.
Leonor Girão, responsável pelo grupo português de dermatologia cosmética da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), disse à agência Lusa que desconhecia o uso de cremes branqueadores como cosméticos, de uma forma indiscriminada, e sem acompanhamento médico.
Em Lisboa, várias lojas que vendem produtos de todo o tipo - de vestuário a legumes, passando pelo artesanato e bebidas alcoólicas - disponibilizam também branqueadores de pele, nomeadamente cremes, mas também sabonetes e tónicos.
As consumidoras procuram essencialmente obter uma imagem parecida com a que ilustra as embalagens destes cremes, de mulheres negras, mas com uma cor clara e brilhante. O seu objectivo é assemelharem-se a estrelas como Rihanna ou Beyoncé, que recorreram a estes produtos.
Apesar de alguns desses cremes não apresentarem na sua composição produtos perigosos, alguns apresentam hidroquinona, proibida nos cosméticos, precisamente devido ao seu poder tóxico.
Leonor Girão explicou que esta substância, usada em determinada quantidade, em produtos prescritos por médicos e vendidos em farmácias, tem o efeito de minimizar as marcas do acne ou manchas localizadas. “Precisamente por ser uma substância eficaz, passou a ser utilizado para branquear a pele, por africanas e asiáticas, que a começaram a utilizar em grande quantidade, em grande área de superfície cutânea”, disse.
Hidroquinona está proibida em produtos cosméticos
Mas o seu uso indiscriminado aumenta o risco de cancro ao nível da pele, alertou, considerando “perigosa” a utilização de cremes com este tipo de produtos sem acompanhamento médico.
Em Portugal, tal como em outros países europeus, a hidroquinona está proibida em produtos cosméticos, conforme definido no Regulamento Cosmético Europeu. Trata-se de uma substância que despigmenta a pele através da diminuição da formação de melanina, responsável pela pigmentação da pele.
Leonor Girão disse ainda que a utilização indevida de substâncias deste tipo pode ter outras consequências, além do seu potencial cancerígeno, como irritação, despigmentação em confete (bolinhas) ou o aparecimento de mais pigmentação. “Por esta razão, tem de ser utilizada sob orientação médica”, acrescentou.
A dermatologista considerou que as autoridades têm feito “um bom trabalho” no controlo da qualidade dos cosméticos, transferindo, inclusive, para a categoria de medicamento os que, pela sua composição, acarretam riscos e pressupõem vigilância clínica. “Por alguma razão os medicamentos têm uma legislação, são vendidos em farmácias e controlados”, referiu.
Mercado de milhões
Segundo a empresa norte-americana de estudos de mercado mundial StategyR, o mercado dos branqueadores de pele -- que inclui sabonetes, loções, cremes e comprimidos -- deverá atingir este ano os 8,8 mil milhões de dólares (8,3 mil milhões de euros). Em 2026, este valor ascenderá a 11,8 mil milhões de dólares (11,2 mil milhões de euros).
A maioria dos produtos (54,3%) é consumida na Ásia/Pacífico. Só na Índia, 54% das mulheres assumem que já recorreram a estes cremes e 38% ainda o faz, indica o mesmo estudo de mercado. A obsessão por uma pele mais clara neste país, em que as estrelas cinematográficas de Bollywood apresentam uma pela clara e brilhante, leva a que algumas recorram a produtos mais baratos, como sabonetes com mercúrio, que é uma substância proibida e que causa graves riscos para a saúde física e mental.
Em 2020, a autoridade que regula o sector do medicamento em Portugal (Infarmed) retirou três produtos -- sabonete, loção e creme corporal - do mercado por conterem na sua composição mercúrio, com o sugestivo nome de “Fair & White” ("Claro e Branco").
A activista Paula Carvalho, fundadora do projecto Afrolink, considera que os branqueadores de pele, alguns com substâncias perigosas e proibidas, continuam à venda porque o mercado não tem interesse em saber que danos causam aos consumidores, maioritariamente negros.
Em declarações à agência Lusa, a propósito da venda no centro de Lisboa de produtos branqueadores de pele, alguns com riscos para a saúde por conterem compostos proibidos nos cosméticos, como a hidroquinona e o mercúrio, a militante anti-racista disse que esta é uma situação que, não sendo nova, é “preocupante”.
"Mas eu não considero que o sistema entenda que é preocupante. Se considerasse, já teríamos uma mudança em relação a um problema que não é de agora. Se ele se mantém, é porque não há interesse em defender a saúde das pessoas, essa população, na maioria negra”, afirmou.
Paula Carvalho, que recentemente foi inscrita pela Euclid Network, uma rede apoiada pela Comissão Europeia, no Top 100 Women In Social Enterprise 2022, a lista das 100 melhores empreendedoras sociais, referiu não ter dúvidas de que, se este produto se dirigisse a um consumidor branco, já não estaria no mercado. E lamentou que não exista uma informação dirigida a estas consumidoras para que possam fazer uma escolha consciente.