Bispo de Cabinda fala em “situação social galopantemente decadente” em Angola

D. Belmiro Chissengueti afirma que não há nenhuma “crispação” entre a Igreja Católica e o Governo de João Lourenço, mas seria “cobarde” se os bispos se calassem perante a corrupção, a sobrefacturação, as obras mal-feitas e os baixos salários.

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O bispo de Cabinda, D. Belmiro Chissengueti AMPE ROGÉRIO/LUSA

O bispo de Cabinda, D. Belmiro Chissengueti, falou este sábado que Angola atravessa uma “situação social galopantemente decadente” e que, por isso, seria “cobarde” se os máximos representantes da Igreja Católica no país ficassem em “silêncio” quando o povo sofre com a crise económica e os governantes não trazem soluções.

“Esse dito ambiente de crispação entre a Igreja e o Estado nós não o sentimos. Esse é um ambiente criado na mente de internautas, de pessoas que julgam que criticar determinada posição do Governo é estar contra o Governo”, sublinhou Belmiro Chissengueti, em declarações à agência Lusa.

O Presidente angolano, João Lourenço, esteve recentemente em Cabinda, onde recebeu o bispo em audiência, numa visita que confundiu acção do Estado com campanha eleitoral, inaugurando obras públicas e apelando ao voto no MPLA, o partido que governa Angola desde a sua independência, para fazer cumprir o lema de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem, lema da campanha em 2017 a que o chefe de Estado fez alusão no seu longo discurso em Cabinda.

A Igreja Católica vem insistido que mantém boas relações com o Governo, mas a verdade é que o Executivo de João Lourenço não parece estar a gostar muito das críticas públicas feitas pela Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) em geral ou pelos bispos em particular à inacção pública perante a crise económica e social que o país atravessa. Tendo mesmo chegado a pedir, em Fevereiro, que fosse declarado o estado de emergência no país perante a “pobreza acentuada, perda de poder de compra, desemprego galopante e degradação de hábitos e costumes”. Algo que o Governo ignorou.

“Nós queremos o maior bem da pátria, o maior bem do país. Não queremos ser aqueles que cobardemente fazem silêncio diante de uma situação social galopantemente decadente”, afirmou o bispo de Cabinda, salientando que é dever da Igreja apontar os males para que sejam corrigidos.

O presidente da CEAST, o arcebispo de Saurimo, D. José Imbamba garantia em Fevereiro que existe um “divórcio entre governantes e o povo” e “um perigoso vazio de diálogo entre governantes e governados, entre as lideranças partidárias e entre os vários actores cívicos, elevando ainda mais os níveis de ansiedade, radicalismo, intolerância, indisciplina, violência física, verbal, moral e psicológica”.

“Nunca houve nenhuma crispação, nunca me foi negado um encontro com o governador, antes pelo contrário. Temos um diálogo permanente, a nível central também”, garantiu Belmiro Chissengueti à Lusa. “O facto de não haver crispação, não quer dizer que concordemos com tudo o que é feito”, afirmou o prelado, para quem é dever da Igreja chamar a atenção para aquilo “que não está bem”

O bispo admitiu, no entanto, que já foi alvo de críticas, mas que está “habituado a viver neste ambiente de polémicas” e que isso pouco lhe importa. “O certo é que digo o que penso, não sou nenhum bajulador que vive no mundo da imaginação, eu vivo do realismo”, sublinhou.

O bispo aproveitou a ocasião para acusar “os bajuladores que fazem o culto do chefe” e “têm uma capacidade de transumância incrível: há pouco tempo eram por José Eduardo dos Santos, agora por João Lourenço e não lhes custa nada mudar para um outro”.

E transmitir a mensagem a João Lourenço para ter cuidado com esses bajuladores que só dizem o que chefe quer ouvir e escutar realmente as “figuras dissonantes” que criticam a governação: “É importante que quem dirige não se deixe levar pelo culto de personalidade, saiba sobretudo ouvir aquele que pensam diferente e que muitas vezes trazem muito mais verdade do que os bajuladores”.

Desde que D. José Imbamba assumiu a presidência da CEAST, em Outubro do ano passado, que a Igreja Católica se tem notado mais audível nas suas intervenções públicas sobre o estado de Angola e a crise económico-social em que o país está mergulhado.

“Calcula-se que cerca de um terço dos angolanos está desempregado, sendo que a falta de trabalho afecta de forma brutal, com quase 60 por cento, os mais jovens”, afirmava em Fevereiro o arcebispo de Saurimo.