Era bom ouvir Merkel sobre a guerra da Ucrânia (mas não vamos ter sorte nenhuma)
Numa entrevista recente à Der Spiegel, o Presidente Steinmeier disse que era preciso perceber onde “nós cometemos erros”. Interrogado sobre a quem se referia ao usar o pronome “nós”, respondeu: “Gerações de políticos. Eu incluo-me expressamente”.
A figura sórdida do momento na Alemanha é o antigo chanceler Gerhard Schröder, o homem que assinou o acordo do Nord Stream 1 e poucos dias depois de sair da chancelaria recebeu um telefonema de Putin para ir trabalhar para “ele”. Tal como o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, o antigo líder do SPD também se recusa a pronunciar a palavra “invasão” quando fala da Ucrânia. A diferença é que Jerónimo não vive à conta da Federação Russa e Schröder sim. Apesar de altamente pressionado, recusou abandonar os seus cargos czaristicamente pagos em empresas de energia russas. O establishment alemão não sabe o que fazer com ele – a possibilidade de vir a ser expulso do SPD, o partido de que foi chanceler, está agora em cima da mesa. Este sábado, o governo alemão – através do ministro das Finanças – admitiu retirar-lhe os benefícios do Estado a que tem direito por ser antigo chanceler. “Já não é concebível que lhe sejam concedidos, pelos contribuintes, fundos para gabinetes. Ex-titulares de altos cargos que estão do lado de governos criminosos não podem contar com o apoio do Estado”, disse Christian Linder.
Mas o problema da relação da Alemanha com a Rússia é profundo e está longe de se esgotar em Schröder. Num texto, publicado há um mês, e intitulado “Os idiotas úteis alemães de Putin”, o jornal Politico escreve que “a invasão da Ucrânia pela Rússia é o repúdio de toda uma geração de políticos alemães de todo o espectro político”. Aliás, é bom recordar que “Os Verdes”, agora no Governo, opuseram-se à construção do Nord-Stream 2 mas por razões ambientais.
Se Schröder, na recente entrevista que deu ao New York Times, não mostra vergonha nenhuma – diz mesmo não fazer qualquer mea culpa – já tanto o presidente alemão Steinmeier, ex-candidato do SPD a chanceler e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Merkel, e o chanceler Olaf Scholz, também ex-ministro das Finanças de Merkel, estão visivelmente embaraçados. Numa entrevista recente à Der Spiegel, o Presidente Steinmeier disse que era preciso perceber onde “nós cometemos erros”. Interrogado sobre a quem se referia ao usar o pronome “nós”, respondeu: “Gerações de políticos. Eu incluo-me expressamente”.
Na mesma revista, há uma semana, Olaf Scholz foi duramente confrontado com as hesitações alemãs sobre o envio de armas e pediu “cabeça fria”. Scholz não quer que “a Alemanha nem a NATO sejam partes na guerra da Ucrânia” e isso é correcto – no dia em que a NATO for parte temos a terceira guerra mundial à porta. Scholz insiste que a sua prioridade é evitar uma escalada do lado da NATO.
Mas é quase impressionante como, ao contrário do Presidente, se recusa a assumir erros passados, com a excepção do país ter ficado na dependência total do gás russo e ter admitido que se deviam ter imposto sanções como as que foram aprovadas agora depois da invasão da Crimeia. Quando confrontado com o facto de Steinmeier já ter assumido os “erros” do partido e outro político do SPD também, dá uma resposta invulgar: “Está a incluir a senhora Merkel entre os militantes do SPD?” Mas defende – mesmo contra Steinmeier – o próprio Steinmeier e o legado de Merkel “que fizeram tudo para evitar uma guerra”.
Quanto a Angela Merkel ninguém lhe ouviu dizer uma palavra desde a invasão da Ucrânia, tirando o comunicado que a condenar a guerra mal foi conhecida a invasão. A sua recusa em dizer qualquer coisa que seja sobre a Ucrânia ou a Rússia é verdadeiramente gritante. É certo que já não está no poder, mas foi a mulher que dominou a Alemanha durante 16 anos. Ou muito me engano ou a história não lhe será favorável - embora ela também tencione escrevê-la. Mas vamos ter que esperar dois ou três anos pela autobiografia política.