Covid-19: Tribunal diz que a política do Governo britânico para os lares de idosos violou a lei

Tribunal Superior conclui que a dispensa de testes, no regresso aos lares, dos pacientes vindos de hospitais, entre Março e Abril de 2020, não teve em conta os riscos da transmissão assintomática do coronavírus. Queixosos dizem que morreram 20 mil pessoas em lares entre Março e Junho desse ano.

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Boris Johnson lembrou “período incrivelmente difícil” e diz que “não se sabia muito sobre a doença” Reuters

O Tribunal Superior de Inglaterra e do País de Gales decretou esta quarta-feira que o Governo de Boris Johnson violou a lei quando decidiu não incluir a testagem obrigatória à covid-19 entre os requisitos para a reentrada nos lares de idosos ingleses e galeses dos pacientes acabados de receber alta hospitalar, entre Março e Abril de 2020.

Decidindo sobre uma acção judicial apresentada por Cathy Gardner e Fay Harris contra o ministro da Saúde – na altura era Matthew Hancock que ocupava o cargo agora exercido por Sajid Javid – e contra a Saúde Pública de Inglaterra, os dois juízes responsáveis pelo caso rotularam a opção do Governo de “irracional”, tendo em conta a “consciencialização crescente” dos riscos elevados da transmissão assintomática do coronavírus.

Hancock e o Ministério da Saúde garantiram que o Governo “lançou um anel protector em redor” dos lares “logo no início” da pandemia, mas as regras sanitárias divulgadas no dia 2 de Abril de 2020, concebidas numa altura em que Downing Street assumia como objectivo libertar até 25 mil camas para pacientes de covid-19, estipulavam o seguinte: “Não são exigidos testes negativos antes das transferências/internamentos em lares de idosos”.

“De acordo com o nosso julgamento, não se tratou de uma questão binária; de uma escolha entre, por um lado, não fazer nada, e, por outro, exigir que todos os residentes recém-entrados fossem colocados em quarentena”, explicaram os juízes, na sua decisão, sugerindo soluções intermédias preventivas, como o isolamento profiláctico.

“Os redactores dos documentos de 17 de Março e de 2 de Abril simplesmente falharam em ter em conta as considerações altamente relevantes sobre o risco da transmissão assintomática para os idosos e para os residentes vulneráveis”, consideram os dois magistrados, citados pelo Guardian.

“A política estabelecida em cada um dos documentos foi irracional, ao não aconselhar que, no caso de haver um paciente assintomático, que não tivesse testado negativo, a ingressar num lar, ele ou ela deveria, tanto quanto fosse possível, ser mantido afastados dos outros residentes durante 14 dias”, concluíram.

Jason Coppel, advogado de Gardner e de Harris, cujos respectivos pais morreram em lares que tiveram surtos de covid-19, disse ao tribunal que mais de 20 mil pessoas perderam a vida naquele tipo de estabelecimentos de Inglaterra e do País de Gales entre Março e Junho de 2020. “Uma taxa de mortalidade que não podia, nem devia ter acontecido”, lamentou, citado pela Sky News.

Em declarações aos jornalistas, nesta quarta-feira, à saída do tribunal, em Londres, Gardner insistiu que o seu pai e outros residentes em lares de idosos foram “negligenciados pelo Governo” e descreveu o argumento de Hancock sobre o “anel protector” como uma “mentira abjecta”, pela qual o ex-ministro devia “ter vergonha” e “pedir desculpa”.

“É também importante que o primeiro-ministro assuma as responsabilidades por aquilo que aconteceu sob a sua liderança”, sublinhou ainda.

No debate semanal desta quarta-feira na Câmara dos Comuns, Boris Johnson “renovou o seu pedido de desculpas” a todos os que perderam familiares e amigos para a covid-19 nos lares, mas lembrou o “período incrivelmente difícil” em que se tomaram essas decisões, também elas “difíceis”.

“Não sabíamos muita coisa sobre a doença. E aquilo que não sabíamos em particular era que a covid poderia ser transmitida assintomaticamente da maneira como foi transmitida”, justificou o chefe do Governo conservador, acrescentando, porém, que Downing Street vai analisar e responder à decisão do tribunal.

Na mesma linha, James Eadie, advogado do ministro da Saúde e da Saúde Pública de Inglaterra, lembrou que as decisões em causa foram tomadas “na fase inicial da pandemia” e defendeu que a sua “legalidade” deve ser avaliada “no contexto de um desafio sem precedentes que o Governo e o NHS [Serviço Nacional de Saúde] enfrentaram”, e ao qual responderam, “incansavelmente”, com o intuito de “proteger a população da ameaça da mais grave pandemia desde que há memória às suas vidas e à sua saúde”.

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