Passar tempo em espaços azuis e verdes faz bem à saúde
Os espaços naturais são refúgios que permitem transformar natureza em saúde. Melhoram o estado de espírito, reduzem os níveis de stress, ajudam na concentração. Com as alterações do clima, com o crescimento das cidades e com o aumento de problemas de saúde mental, estes espaços tornam-se cada vez mais importantes. E, para terem efeito na saúde, o ideal é que as visitas sejam feitas com regularidade.
Podem ser jardins, bosques, trilhos, praias ou lagos. A ciência mostra que passar tempo em espaços naturais – sejam eles “verdes” ou “azuis” – faz bem à saúde. Ajuda a deixar o stress do dia-a-dia de lado e tem impactos positivos na saúde mental de quem passa algum tempo ao ar livre. “O contacto com a natureza está associado a melhor saúde mental, física, e bem-estar. As pessoas sentem-se melhor, mais felizes, num estado de humor mais positivo”, diz Luísa Lima, professora catedrática de Psicologia do Iscte, que estuda “como é que a natureza se transforma em saúde”.
E a natureza tem uma “capacidade de restaurar”, explica a investigadora. “Quer dizer que nos sentimos melhor, mais vivos, mais bem-dispostos a seguir a estarmos em contacto com a natureza” – e isto acontece porque a nossa atenção não fica tão sobrecarregada, nem fica o cérebro sujeito a tantos estímulos como num dia de trabalho. “Quando começamos a olhar para a natureza, isso dá-nos espaço para não estarmos tão cheios de informação, que faz com que depois nos consigamos concentrar melhor porque baixámos esta sobreestimulação cognitiva.” Ou seja, é uma decisão duplamente vantajosa: sentimo-nos melhor, mas também se fica com melhor capacidade de concentração de seguida. “É como se lavássemos um bocado a confusão que tínhamos na cabeça”, brinca Luísa Lima, coordenadora do Iscte Saúde.
Os benefícios dos espaços verdes não chegam só para a saúde humana: podem melhorar ecossistemas, ajudar a reduzir a poluição e melhorar oportunidades de interacção social. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece num relatório de 2021 intitulado Espaços verdes e azuis e saúde mental: novas provas e perspectivas de acção “a importância substancial dos benefícios associados a espaços verdes e azuis, e a necessidade fulcral de assegurar estes espaços para proteger e promover a saúde e bem-estar”.
É também por isso que é tão importante fazer pausas. “As pessoas estão muito stressadas, e se forem dar um passeio à hora de almoço, 20 minutos, andar no verde, depois conseguem-se concentrar melhor, conseguem trabalhar melhor e ficam mais satisfeitos”, explica Luísa Lima. E nem sempre é preciso estar fisicamente em espaços verdes: olhar para fotografias de natureza durante dois minutos já tem algum efeito benéfico, assim como ter plantas no local de trabalho. Existem até simulações com realidade virtual para quem não consegue sair de casa (como pessoas com muita ansiedade ou que vivam em locais com temperaturas negativas no Inverno). Também não é preciso que se trate de grandes espaços verdes, um pequeno jardim pode trazer grandes vantagens.
Há ainda outra explicação para os benefícios destes espaços ao ar livre: a ida a esses locais facilita a interacção social, que também pode fazer com que as pessoas se sintam mais felizes, e também a prática de exercício físico. Mas há investigadores que acreditam que, mesmo sem estas variáveis, as vantagens existiriam. Tudo isto faz com que as visitas a espaços naturais estejam associadas “a mais saúde, menos stress, menos angústia ou menos tomas de comprimidos para a depressão e ansiedade”.
Há estudos que mostram que estar perto de espaços verdes ajuda a diminuir o stress, a baixar a tensão arterial e até permite uma maior recuperação depois de operações ou doenças, por causa dos níveis de stress menores – e isto até é visível em pessoas que avistam espaços verdes das janelas do hospital.
Mas o que são espaços verdes e azuis?
Definir um “espaço verde” é tarefa complicada. Podem ser florestas urbanas, parques, parques infantis, zonas agrícolas, podem ter mais ou menos árvores, serem mais ou menos amplos, serem grandes ou pequenos. Ajuda que propiciem um sentimento de “evasão”, mas tudo varia de pessoa para pessoa: “Não há uma receita para toda a gente”, resume Luísa Lima.
Apesar de toda a investigação, a OMS diz que “não é claro qual o tipo de espaço verde, nem com que características é mais benéfico para a saúde, incluindo para a saúde mental”. Os benefícios para a saúde do contacto com a natureza são difíceis de medir e, logo, mais difíceis de estudar. Nos estudos analisados pela OMS, os únicos espaços verdes que tinham pouco ou nenhum impacto na saúde mental eram zonas de “vegetação densa” ou “matagais”.
Sabia que...
a definição do que é um espaço verde varia de país para país? Em Inglaterra, por exemplo, os cemitérios são considerados espaços verdes nos estudos académicos por terem árvores e relvado – em Portugal, são mais cinzentos e com mais pedra, portanto não se enquadram nesta categoria.
Já os espaços azuis são descritos pela OMS como “ambientes exteriores – sejam eles naturais ou artificiais – que têm em destaque a água e que estão acessíveis a humanos” ao permitirem estar dentro de água, por exemplo, ou ao vê-la e ouvi-la ao longe, sem interagir directamente. Alguns exemplos são zonas costeiras, lagos, charcos, albufeiras e cursos de água. Como existe uma grande variedade de espaços azuis, “nem todos têm as mesmas características relaxantes enquanto paisagem”. E existe mais investigação e mais provas dos benefícios dos espaços verdes do que dos espaços azuis.
Quanto aos espaços azuis, as zonas costeiras são as mais consensuais quando se procuram benefícios. Ainda assim, como em tudo, os resultados dependem dos espaços e das pessoas, e a OMS diz no mesmo documento que não há um único espaço verde ou característica que é “regra de ouro” e que funcione bem para “toda a gente, em todo o lado e a toda a hora”.
Desafios: urbanização e alterações climáticas
Nas selvas de cinzento que são as cidades, os espaços verdes são ainda mais importantes. “Quando falamos em cidades saudáveis, é muito clara a importância de se criar espaços verdes como forma também de se promover hábitos de saúde, de as pessoas passearem, encontrarem-se para passearem, de potenciar a prática de exercício físico e o contacto social”, argumenta Luísa Lima.
Esta necessidade ganha relevo numa altura em que o mundo está a tornar-se mais urbanizado e há cada vez mais pessoas a morar em cidades. Segundo as Nações Unidas, mais de metade da população mundial vive em cidades. Ainda que as cidades só ocupem 3% do território do planeta, são responsáveis por grande parte do consumo energético e de recursos, sendo também responsáveis por cerca de 75% das emissões de dióxido de carbono. Os espaços verdes e azuis podem servir como sumidouros de carbono. Mas, como alerta a OMS, as alterações climáticas trazem um desafio acrescido: “Os tipos de espaços verdes e azuis que podem beneficiar a saúde mental poderão não ser os mesmos que podem reduzir o stress térmico de forma eficaz.”
Para a investigadora Manuela Moreira da Silva, da Universidade do Algarve, estes espaços naturais são fulcrais em zonas urbanas. “A natureza é fundamental para garantir o sequestro de carbono, para garantir sombra, para garantir o atenuamento dos picos térmicos e evitar os efeitos das ilhas de calor, para reter a humidade, para termos biodiversidade, para ouvirmos pássaros, para a polinização”, diz, em conversa com o Azul.
E afirma que isso deve ser tomado em conta quando se pensa no uso que se dá à água: é preciso ter uma gestão mais eficiente da água, sim, mas não se pode cortar na rega dos espaços verdes para que “as cidades não fiquem sem natureza”. Manuela Moreira da Silva defende que devem encontrar-se origens alternativas (como águas residuais ou água dessalinizada só para rega) e que se deve reduzir a utilização de água potável na rega destes espaços. “Se tivermos esta visão integrada, vamos não só poupar água como melhorar a qualidade de vida das pessoas.”
Segundo a OMS, os espaços verdes podem contribuir para “ajudar comunidades urbanas vulneráveis não só com a urbanização crescente, mas também com as alterações climáticas”. É importante que os espaços verdes estejam acessíveis a pé, entrelaçados com a malha urbana, e que não estejam muito longe das residências ou de transportes públicos. E que permitam os visitantes que se abstraiam do barulho da cidade.
No horizonte futuro, há problemas já identificados. Refere a OMS que a expansão das cidades, que ficam cada vez mais densas, muito “provavelmente levará a menores oportunidades para o contacto com a natureza em zonas residenciais, ou pelo menos a reduzir a vegetação per capita”, o que também pode fazer com que os espaços verdes já existentes sejam menos sossegados.
A tudo isto junta-se ainda o problema da poluição. Em 2016, nove em cada dez pessoas que moravam em zonas urbanas respiravam ar que não respeitava as directrizes da OMS. Mais de metade da população também sentiu um agravamento da qualidade do ar de 2010 para 2016. Só em Portugal, a poluição do ar esteve associada à morte prematura de quase seis mil pessoas em 2019.
Também existem dados positivos: quase metade da população mundial (47%) vive a 400 metros de espaços de fruição ao ar livre, que incluem espaços verdes, mas também zonas de comércio. Na Europa e na América do Norte, este valor é de 57%, segundo os dados das Nações Unidas; na liderança estão a Austrália e a Nova Zelândia, com quase 80% da população com acesso a estes espaços abertos a 400 metros de casa.
A saúde mental
Numa altura em que as perturbações de saúde mental são “um dos maiores desafios da saúde pública”, como caracteriza a OMS, os espaços ao ar livre podem ser um remédio natural e oportuno. Com o isolamento imposto pela pandemia de covid-19, a importância deste contacto com a natureza foi “enaltecida”.
Sabe-se que as alterações climáticas podem ter implicações na saúde mental, mas têm sobretudo na saúde física. Aqui, os espaços verdes e azuis “podem ter um papel importante na redução de stress” e está provado que a permanência em espaços naturais tem efeitos positivos na saúde mental tanto a curto prazo como a longo prazo. O contacto com a natureza rejuvenesce o estado de espírito e ajuda a preservar a saúde mental ao melhorar os níveis de humor e de satisfação com a vida, que são “antídotos contra a doença mental”, define Luísa Lima.
Um estudo de 2022 feito pelo Instituto de Saúde da Universidade do Porto (ISPUP), que envolveu quase 4000 crianças da Área Metropolitana do Porto, concluiu que as crianças que vivem mais próximas de espaços verdes têm um “melhor desempenho cognitivo”. No que toca a espaços azuis, os investigadores não encontraram qualquer ligação. Em 2019, o ISPUP concluía também que as crianças que têm espaços verdes à volta das suas escolas e casas apresentam um “menor risco de desenvolver doenças no futuro”.
Num estudo publicado em 2021 na revista Scientific Reports, um grupo de cientistas (incluindo Luísa Lima) investigou o impacto dos espaços verdes e azuis na saúde mental em 18 países – Portugal incluído – e notou que três dos quatro países com uma ligação positiva entre a frequência de visitas a zonas costeiras e a saúde mental eram países com clima mais quente, no Sul da Europa: Portugal, Espanha e França (o quarto era a Suécia).
Nesse estudo, fala-se de como a saúde mental é um dos maiores problemas em países desenvolvidos, o que pode ser causado por uma “urbanização célere e uma crescente desconexão com o mundo natural”. Manter o contacto com a natureza é benéfico, dizem, e as vantagens mantêm-se independentemente da altura do ano.
Quanto ao tempo que se deve passar em espaços naturais, não há uma fórmula mágica. Um estudo publicado em 2019 indicava que o ideal são cerca de 120 minutos por semana – que podem ser divididos por vários dias. À data desse artigo, o coordenador do estudo, Matthew White, explicava que a sensação de bem-estar “provém dos benefícios reparadores a nível psicológico de passar tempo longe do trabalho e de outras fontes de stress – mas também de televisões e computadores” – que ajudam a recarregar baterias. Certo é que “se estamos a querer efeitos consistentes em termos de saúde, o contacto com a natureza tem de ter alguma regularidade”, garante a professora do Iscte.
Uma questão de classe
Quando se começou a estudar os benefícios dos espaços naturais, os cientistas lançaram uma hipótese: poderiam estas vantagens estar relacionadas com a classe social? As pessoas com mais rendimentos conseguem viver em zonas mais privilegiadas ou com vista para o mar e sabe-se que a classe social também está associada a melhor saúde. “Mas os estudos, controlando a variável da classe social, mostram até que esses impactos positivos são maiores quando estamos a falar de pessoas de classes sociais mais baixas”, analisa Luísa Lima.
Ainda assim, ter a natureza à porta de casa ajuda. Há investigação que mostra que pessoas com níveis socioeconómicos mais baixos que morem perto de espaços verdes têm níveis melhores de saúde do que pessoas na mesma situação económica que não moravam perto de zonas naturais. Estes benefícios notam-se em quem vive perto de zonas verdes e azuis, mas também em pessoas que gostam de “passar tempo na natureza, de passear, fazer actividades recreativas, na praia ou ao ar livre, e que se sentem mais próximas da natureza”, explica a investigadora. Não é, portanto, só uma questão de se viver perto – é só que, vivendo-se perto, é mais provável fazer visitas mais frequentemente a estes locais.
E torna-se claro que “os efeitos restauradores da natureza parecem ter mais impacto exactamente nas pessoas com níveis socioeconómicos mais baixos”, explica Luísa Lima. Até porque “o contacto com a natureza pode ser uma forma de compensar em termos de saúde aquilo que são perdas por outras razões, porque as pessoas de níveis socioeconómicos mais baixos comem pior, provavelmente têm vidas em que estão sujeitas a mais riscos de poluição”, diz. “Há uma certa injustiça ambiental”, diz.