No Senegal, há água (apenas) onde os residentes não chegam

Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE
Fotogaleria
Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE

Quando a água de um poço começou a escassear nesta aldeia remota no norte do Senegal, em 2010, o Governo escavou outro, colocou uma bomba manual de metal e uma placa a comemorar o investimento. Hoje, esse poço praticamente não tem uma gota, lamentam os residentes.

Desesperados e numa região abrasadora, os membros da comunidade angariaram, no ano passado, cinco mil dólares para tentarem de novo. No novo poço não houve água — o que acabou por se tornar numa piada amarga da aldeia. As crianças vão lá gritar para ouvirem o eco de um poço vazio.

Dois estudos feitos em Março apontam as águas subterrâneas como uma resposta à falta de água na África Subsariana — uma potencial forma de salvar milhões naquela que é uma das regiões mais afectadas pela crise climática. A água armazenada debaixo da terra pode ajudar os países africanos a sobreviver a pelo menos cinco anos de seca, segundo investigações da WaterAid e do British Geological Survey (BGS).

Um relatório das Nações Unidas reporta que pode também transformar o desenvolvimento da agricultura na região, onde apenas 3 a 5% das terras cultivadas são irrigadas. O Senegal alberga um lençol de água subterrâneo que a chuva tem mantido abastecido nas últimas décadas, segundo dados do BGS.

Mas a situação em Tata Bathily, rodeada por nada além de milhas de terreno estéril, mostra quão caro e difícil pode ser esvaziar essas reservas. E mesmo que se encontre água, alguns dos lençóis mais “confiáveis” estão a 400 metros de profundidade — dez vezes a profundidade dos poços de Tata Bathily. Fazer uma escavação dessa profundidade custa cerca de 20 mil dólares.

Não bebemos o suficiente para saciar a nossa sede, não nos lavamos nem lavamos a roupa”, lamenta Oumou Drame, uma mulher de 40 anos, mãe de quatro filhos, que acorda antes de o Sol nascer para engarrafar a água que resta do antigo poço antes que se esgote, como acontece todos os dias a meio da manhã.

“Não dormimos de noite, deixamos os nossos filhos em casa para ir buscar água. Desde muito cedo até agora estamos à procura de água”, refere Drame, depois de retirar do poço um garrafão praticamente vazio. Nesta região, as temperaturas podem ultrapassar os 50.º Celsius. As comunidades recorrem à adivinhação para abrir novos poços. Quando falham, as mulheres e as crianças caminham um pouco mais para tentar encontrar alguns litros.

Nas aldeias visitadas pela Reuters, os residentes dizem que o crescimento da população e as chuvas imprevisíveis têm acabado com as reservas. “A questão do Senegal é que a água subterrânea de qualidade pode não estar exactamente onde queres que ela esteja”, diz Alan MacDonald, hidrogeologista da BGS. Especialistas e líderes reuniram-se numa conferência em Dakar, capital do Senegal, no mês passado, para pedirem um mais fácil acesso a água potável para os que vivem mais longe dos locais onde há água canalizada.

Nessa mesma semana, os residentes de Tata Bathily, a mais de 700 quilómetros para nordeste, escavavam no leito de um rio seco, a alguns quilómetros da aldeia, e guardavam a água castanha que lá se infiltrava. As crianças bebem-na, mesmo que isso signifique que vão ficar doentes.

Os buracos parecem artificiais, como se fossem causados por bombardeamentos. Os locais reúnem-se à beira deles e usam baldes atados a longas varas para tentar captar alguma água. Todos os dias, Aladje Drame, 34 anos, coloca um balde amarelo no poço e enche uma dúzia deles. Vende a água por 10 cêntimos o litro. O seu filho de cinco anos, Demba, bebe água lamacenta enquanto Drame trabalha. Drame tem problemas cardíacos. Quer abrandar, cultivar vegetais — mas não pode. “Se houvesse água poderia trabalhar como jardineiro e plantar muitas coisas.”

Reuters/EDWARD MCALLISTER
Aladje Drame, vendedor de água, fecha os garrafões cheios de água retirada de uma fossa escavada junto ao leito de um rio seco. Vende-a na aldeia de Tata Bathily, em Matam, no Senegal, a 10 cêntimos por 20 litros.
Aladje Drame, vendedor de água, fecha os garrafões cheios de água retirada de uma fossa escavada junto ao leito de um rio seco. Vende-a na aldeia de Tata Bathily, em Matam, no Senegal, a 10 cêntimos por 20 litros. Reuters/STRINGER
Uma escavação feita num terreno seco, perto da aldeia de Tata Bathily, em Matam, no Senegal.
Uma escavação feita num terreno seco, perto da aldeia de Tata Bathily, em Matam, no Senegal. Reuters/STRINGER
Um homem escava uma fossa para conseguir obter água.
Um homem escava uma fossa para conseguir obter água. Reuters/EDWARD MCALLISTER
Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE
Oumou Drame, uma local, carrega uma bacia de água que recolhe várias vezes ao dia, ao longo de uma grande distância de terreno árido na sua aldeia, Tata Bathily.
Oumou Drame, uma local, carrega uma bacia de água que recolhe várias vezes ao dia, ao longo de uma grande distância de terreno árido na sua aldeia, Tata Bathily. Reuters/STRINGER
Reuters/STRINGER
Demba, 5 anos, ajuda o seu pai Aladje Drame, vendedor de água, a encher garrafões.
Demba, 5 anos, ajuda o seu pai Aladje Drame, vendedor de água, a encher garrafões. Reuters/STRINGER
Reuters/STRINGER
Reuters/EDWARD MCALLISTER
Escavações para encontrar água.
Escavações para encontrar água. Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE
Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE
Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE
Reuters/STRINGER