Crise climática
No Senegal, há água (apenas) onde os residentes não chegam
Quando a água de um poço começou a escassear nesta aldeia remota no norte do Senegal, em 2010, o Governo escavou outro, colocou uma bomba manual de metal e uma placa a comemorar o investimento. Hoje, esse poço praticamente não tem uma gota, lamentam os residentes.
Desesperados e numa região abrasadora, os membros da comunidade angariaram, no ano passado, cinco mil dólares para tentarem de novo. No novo poço não houve água — o que acabou por se tornar numa piada amarga da aldeia. As crianças vão lá gritar para ouvirem o eco de um poço vazio.
Dois estudos feitos em Março apontam as águas subterrâneas como uma resposta à falta de água na África Subsariana — uma potencial forma de salvar milhões naquela que é uma das regiões mais afectadas pela crise climática. A água armazenada debaixo da terra pode ajudar os países africanos a sobreviver a pelo menos cinco anos de seca, segundo investigações da WaterAid e do British Geological Survey (BGS).
Um relatório das Nações Unidas reporta que pode também transformar o desenvolvimento da agricultura na região, onde apenas 3 a 5% das terras cultivadas são irrigadas. O Senegal alberga um lençol de água subterrâneo que a chuva tem mantido abastecido nas últimas décadas, segundo dados do BGS.
Mas a situação em Tata Bathily, rodeada por nada além de milhas de terreno estéril, mostra quão caro e difícil pode ser esvaziar essas reservas. E mesmo que se encontre água, alguns dos lençóis mais “confiáveis” estão a 400 metros de profundidade — dez vezes a profundidade dos poços de Tata Bathily. Fazer uma escavação dessa profundidade custa cerca de 20 mil dólares.
“Não bebemos o suficiente para saciar a nossa sede, não nos lavamos nem lavamos a roupa”, lamenta Oumou Drame, uma mulher de 40 anos, mãe de quatro filhos, que acorda antes de o Sol nascer para engarrafar a água que resta do antigo poço antes que se esgote, como acontece todos os dias a meio da manhã.
“Não dormimos de noite, deixamos os nossos filhos em casa para ir buscar água. Desde muito cedo até agora estamos à procura de água”, refere Drame, depois de retirar do poço um garrafão praticamente vazio. Nesta região, as temperaturas podem ultrapassar os 50.º Celsius. As comunidades recorrem à adivinhação para abrir novos poços. Quando falham, as mulheres e as crianças caminham um pouco mais para tentar encontrar alguns litros.
Nas aldeias visitadas pela Reuters, os residentes dizem que o crescimento da população e as chuvas imprevisíveis têm acabado com as reservas. “A questão do Senegal é que a água subterrânea de qualidade pode não estar exactamente onde queres que ela esteja”, diz Alan MacDonald, hidrogeologista da BGS. Especialistas e líderes reuniram-se numa conferência em Dakar, capital do Senegal, no mês passado, para pedirem um mais fácil acesso a água potável para os que vivem mais longe dos locais onde há água canalizada.
Nessa mesma semana, os residentes de Tata Bathily, a mais de 700 quilómetros para nordeste, escavavam no leito de um rio seco, a alguns quilómetros da aldeia, e guardavam a água castanha que lá se infiltrava. As crianças bebem-na, mesmo que isso signifique que vão ficar doentes.
Os buracos parecem artificiais, como se fossem causados por bombardeamentos. Os locais reúnem-se à beira deles e usam baldes atados a longas varas para tentar captar alguma água. Todos os dias, Aladje Drame, 34 anos, coloca um balde amarelo no poço e enche uma dúzia deles. Vende a água por 10 cêntimos o litro. O seu filho de cinco anos, Demba, bebe água lamacenta enquanto Drame trabalha. Drame tem problemas cardíacos. Quer abrandar, cultivar vegetais — mas não pode. “Se houvesse água poderia trabalhar como jardineiro e plantar muitas coisas.”