A camisola da “mão de Deus” e do “barrilete cósmico” vai a leilão

Estima-se que o 10 que Maradona usou no jogo com a Inglaterra no México 86 possa chegar aos quatro milhões de libras.

(Photo Allsport/Getty Images)
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Maradona chegou mais alto que Peter Shilton com a sua "mão de Deus" Getty Images
Maradona a caminho de marcar o golo do século
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Maradona a caminho de marcar o golo do século Reuters/Juha Tamminen/File Photo

Esteve na posse de Steven Hodge durante 36 anos e ele sempre se recusou a vendê-la. Agora, a camisola 10 que Diego Armando Maradona usou no jogo dos quartos-de-final do Mundial do México em 1986 entre a Argentina e a Inglaterra estará em leilão online a partir de 20 de Abril na Sotheby’s, estimando-se que possa atingir um valor entre os quatro e os seis milhões de libras. Foi com esta camisola vestida que Maradona marcou dois dos golos mais famosos da história do futebol, o da “mão de Deus” e o “barrilete cósmico”, aquele em que que “el Pibe” fintou meia equipa da Inglaterra e que é considerado como o golo do século.

A Argentina venceria esse jogo por 2-1 a caminho do seu segundo título de campeão mundial, e seria Hodge, médio inglês do Aston Villa, a trocar de camisolas com o argentino – o título da autobiografia de Hodge, publicada em 2010, é “The Man With Maradona’s Shirt” (“O Homem com a camisola de Maradona”). Hodge nunca quis vender a camisola azul da Argentina com o 10 nas costas, que nos últimos 20 anos esteve exposta no Museu Nacional do futebol de Manchester, reiterando esse desejo quando Maradona morreu em Novembro do ano passado, mas está agora no mercado, autenticada pelos avaliadores da Sotheby’s e em “bom estado”.

Como é que Hodge, que nem sequer era a “estrela” ou o 10 da Inglaterra ficou com a camisola de Maradona naquela tarde no Estádio Azteca, na Cidade do México? Foi ele que lhe foi pedir. “Pensei, nunca mais vou estar aqui, vou tentar arranjar uma camisola. Cumprimentei o Maradona, mas ele estava cercado por colegas de equipa e achei que não valia a pena. Depois, foi ao balneário e fui ter com ele. Peguei na minha camisola e fui na direcção dele. ‘Queres trocar?’, perguntei. Ele veio ter comigo, disse qualquer coisa, e trocámos. Foi tão simples como isto”, contou o britânico.

Maradona é que não ficou com a camisola de Hodge. O argentino gostava de coleccionar os 10 e quem tinha este número na selecção inglesa era Gary Lineker. O avançado inglês tinha trocado de camisola com Oscar Garré, lateral-esquerdo argentino, mas, como Garré contou ao PÚBLICO em 2014, Maradona foi ter com ele e pediu-lhe o equipamento do avançado do Everton. Como compensação, Garré ficou com o 18 de Hodge.

“Foi um privilégio ter jogado contra um dos maiores de todos os tempos. Foi também um prazer partilhar a camisola com o público nos últimos 20 anos”, disse Hodge em comunicado, sem, no entanto, explicar a razão que o levou a querer vender agora a icónica camisola, depois de dizer em Novembro de 2020 que tinha “grande valor sentimental”. “Gosto de a ter. Já tive gente do mundo inteiro a bater-me à porta e o telefone está sempre a tocar. Anda gente a dizer que eu estou a tentar ganhar um ou dois milhões. É uma falta de respeito e totalmente errado”, dizia Hodge.

O equipamento com que a Argentina defrontou a Inglaterra era o alternativo ao tradicional alvi-celeste. Carlos Billardo, o seleccionador, achava que as camisolas de algodão com que os argentinos defrontaram o Uruguai eram demasiado pesadas para o calor tórrido da capital mexicana e estudou alternativas. O técnico de equipamentos mostrou-lhe várias alternativas, mas foi Maradona quem acabou por escolher o equipamento azul em nylon da Le Coq Sportif.

Nesse jogo com a Inglaterra, Maradona foi genial com os pés e com as palavras. Primeiro, a justificar com a providência divina o golo que marcou com a mão (esquerda) na cara de Peter Shilton, depois de um alívio desastrado de Hodge. Depois, o “golo do século, o “barrilete cósmico”, como foi narrado de forma igualmente brilhante por Victor Hugo Morales, aquele em que o mundo ficou a questionar as suas origens terrenas.

Qualquer esforço para o descrever é inútil, mas Maradona fê-lo de uma forma incrível na autobiografia: “Eu arranquei atrás do meio-campo, do lado direito; pisei a bola, rodei e passei entre Beardsley e Reid. Nesse momento, foquei a baliza, embora ainda estivesse longe. Com um toque para dentro, passei pelo Butcher, e foi a partir desse momento que Valdano me começou a ajudar, porque Fenwick, que era o último, não vinha para mim! [...] Enfrentei-o, fintei para dentro e fui por fora, a descair para a direita... Fenwick deu-me um pontapé terrível! Eu continuei e lá tinha o Shilton à minha frente [...] Fiz assim, o Shilton engoliu a finta, engoliu-a... Então cheguei ao fundo e fiz tac, para dentro... [...] Eu tinha feito o golo da minha vida. No balneário [...] o Negro Henrique, que estava a tomar duche, aproximou-se e disse-me: ‘Muitos elogios para ele, mas se não tivesse sido o meu passe, ele não fazia o golo.’ O filho da puta do Negro! Tinha-me passado a bola na nossa área!’”

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