UE alerta a China para as sérias consequências de um apoio à Rússia
Os dirigentes europeus não obtiveram as garantias de neutralidade que pediram a Xi Jinping, mas aproveitaram a 23.ª cimeira UE-China para marcar posição: se Pequim interferir no conflito, fornecendo apoio militar ou financeiro à Rússia, estará a pôr em risco uma balança comercial que vale dois mil milhões de euros por dia.
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Uma cimeira de guerra não pode ser “business as usual”, justificou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se apresentou aos jornalistas uma hora mais cedo do que o previsto para dar conta dos “apelos” — e também dos “avisos” — transmitidos ao Presidente da China, Xi Jinping, durante a 23.ª cimeira bilateral entre a União Europeia e a China, que decorreu esta sexta-feira por videoconferência e foi dominada pela agressão da Rússia contra a Ucrânia.
“Apelámos à China para não ignorar a violação do direito internacional pela Rússia e para colaborar com os nossos esforços para restaurar a paz e a estabilidade o mais depressa possível”, informou Michel, que aconselhou Xi a “ter em consideração” a imagem internacional da China, e a importância das suas relações comerciais com o Ocidente, para não “ceder à tentação de apoiar a Rússia” com meios militares ou financeiros que lhe permitam prolongar a guerra na Ucrânia.
A grande preocupação dos europeus, ao fim de mais de um mês de guerra, é que o Exército russo recorra a meios ainda mais destrutivos para vencer a resistência ucraniana. Ao mesmo tempo, a UE receia que a pressão económica e política que está a exercer sobre o Kremlin, sob a forma de sanções e outras medidas restritivas, seja mitigada pela China, que até agora evitou definir os limites para a sua parceria estratégica com a Rússia.
“A China tem responsabilidades especiais como um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, vincou Ursula von der Leyen. “A equidistância não chega. O envolvimento activo pela paz é essencial. Esperamos que a China exerça a sua influência para trazer a Rússia de volta à mesa das negociações”, prosseguiu Von der Leyen, que tal como Michel, deixou sem resposta as questões sobre as garantias deixadas pelo Presidente chinês de que vai manter a neutralidade no conflito.
A directora do programa asiático do European Centre on Foreign Relations, Janka Oertel, interpretou as evasivas dos dois dirigentes europeus como um sinal de que “não obtiveram uma resposta positiva” aos seus apelos. “O facto de os comentários de Xi Jinping sobre a cimeira terem sido publicados nos meios de comunicação estatais chineses quando a sessão de trabalho ainda estava a meio mostra que do lado de Pequim havia uma vontade limitada para dialogar”, apontou.
A mensagem que o Presidente da China retirou dos trabalhos da cimeira bilateral foi que “como duas potências globais, dois enormes mercados e duas grandes civilizações, a China e a UE devem assumir-se como factores de estabilidade” num mundo que é “turbulento” mas “não está todo ligado à crise da Ucrânia”. Os dois blocos devem evitar “atirar lenha para a fogueira”, recomendou.
Pelo seu lado, Michel e Von der Leyen assinaram um comunicado conjunto que notava, numa frase, que “quaisquer tentativas de contornar as sanções ou de ajudar a Rússia por outros meios devem ser travadas”. Os dois líderes europeus não quiseram especular sobre as possíveis consequências de um tal apoio de Pequim a Moscovo: para já, Bruxelas mantém-se na fase dos alertas e dos recados.
“Mais de 40 países juntaram-se às sanções [contra a Rússia] aplicadas pela UE, e deixámos muito claro que se a China não vai apoiar, pelo menos não deve interferir com estas medidas. Os danos reputacionais para a China seriam enormes se houvesse uma percepção de que está apoiar a agressão da Rússia. Creio que nenhum cidadão e nenhuma empresa europeia compreenderia um envolvimento da China na guerra”, assinalou a presidente do executivo, que se fez valer do “factsheet” preparado pelos seus serviços para notar que “todos os dias, a UE e a China trocam entre si quase dois mil milhões de euros em bens e serviços” (e em comparação, a balança comercial com a Rússia é de 330 milhões de euros por dia).
Para Janka Oertel, Xi Jinping não terá ficado com a menor dúvida de que poderá sofrer sérias retaliações económicas se decidir “furar” o regime de sanções impostas à Rússia. O risco de desinvestimento é real: “O grande êxodo das grandes empresas ocidentais da Rússia não devia ser desvalorizado pela China, principalmente depois de Von der Leyen ter dito que o futuro das relações bilaterais será em larga medida determinado pela abordagem de Pequim ao conflito na Ucrânia”, considerou.