Na sala de aula, devia ser proibido um professor dizer “Cala-te!”
O exemplo e a exigência vêm de cima, e replicam-se pela cadeia de comando — sabemos que é assim em todas as organizações, das escolas, aos hospitais, como numa cadeia de restaurantes ou no jornal em que trabalhamos.
Mãe,
Hoje vou ser brusca, não vou analisar as atenuantes, nem fazer uso da minha habitual empatia que me obriga sempre a tentar ver um problema de todos os pontos de vista.
Numa sala de aula tem de ser absolutamente impensável e proibido um professor dizer: “Cala-te!”, “Estás parvo/a ou quê?”, “Tenho vergonha vossa”, “Não tenho paciência para vos aturar”, “Estás mas é maluco”, “Precisas de ajuda psiquiátrica”... Ou qualquer palavrão (juro que não sei como é que é possível ter de escrever uma coisa destas).
Também tem de ser inimaginável um professor levantar a secretária e deixá-la cair, bater com os punhos na mesa. Obviamente, os alunos também não estão autorizados a falar ou a agir assim em relação aos professores, mas a verdade é que quando o fazem, podem (e devem) sofrer as consequências.
Já no caso dos professores, habitualmente não há consequências nenhumas. E sim, mãe, posso garantir que todas as frases foram partilhadas comigo por mães — e professoras! — que não tinham interesse nenhum em mentir.
Será isto pedir demais?
Bjs
Ana,
Como sabes há anos e anos que vou falar a escolas de Norte a Sul do país e posso garantir-te que percebo imediatamente pela forma como os alunos falam uns com os outros, e com os adultos em seu redor, de qual é a bitola daquela “instituição”.
Começo logo a detectar a diferença enquanto espero na portaria, na forma como vejo o cumprimento que os miúdos recebem e retribuem ao chegar à escola, sinto-o nos corredores, e confirmo-o na sala de aulas ou na biblioteca onde me recebem.
E, Ana, a diferença não está ligada nem ao “meio social” dos alunos, nem ao local onde a escola se insere, mas invariavelmente à “cultura de empresa” que alguém, no topo da hierarquia, conseguiu implementar. Muitas vezes de forma estruturada e persistente ao longo de décadas. O exemplo e a exigência vêm de cima, e replicam-se pela cadeia de comando — sabemos que é assim em todas as organizações, das escolas, aos hospitais, como numa cadeia de restaurantes ou no jornal em que trabalhamos.
É claro que será muito mais difícil nalgumas escolas do que noutras em que, por exemplo, o quadro de pessoal está sempre a mudar, mas a verdade é que a boa-educação contagia-se, da exacta mesma forma do que a má-educação. Como é que podemos exigir que os miúdos falem com respeito a um professor, se o professor se lhes dirige com qualquer uma das frases que citaste e a que podíamos juntar tantas outras que já ouvimos; se os trata com desprezo, ou se chega ao cúmulo de usar palavrões? Como podem depois os pais castigar (com genuína convicção) um filho por responder torto a um professor, quando percebem que reagia a um insulto, ou mesmo a um tratamento agressivo e violento?
Ana, tenho plena consciência de que a profissão de professor é uma das mais exigentes e difíceis, e que pode ser muito complicado lidar com crianças e adolescentes que, muitas vezes, cresceram em ambientes onde ninguém respeita ninguém, mas há um código de conduta que não pode ser quebrado. E, sinceramente, há uma pergunta que quanto a mim se impõe fazer a um professor que atira com uma secretária ou que fala desbragadamente: se trabalhasse num escritório, num banco, numa farmácia, numa loja, numa escola privada, até, dirigir-se-ia assim aos colegas, aos clientes? Duvido.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.