Quando falámos com José Avillez, ele vai a caminho de Lisboa, levando no carro “quatro molhos de espargos selvagens de terrenos arenosos do Alentejo”. São para o menu do Encanto, o restaurante que inaugurou esta quarta-feira no espaço, no Chiado, em Lisboa, que já foi o Belcanto (o original) e depois, durante três curtos meses, o Canto, projecto com os músicos Ana Moura e António Zambujo, abalroado pela pandemia.
Há uma ideia que Avillez repete várias vezes durante a conversa telefónica: o Encanto é um restaurante gastronómico “onde quem brilha são os vegetais”. Não se apresenta como um restaurante vegetariano - embora o seja - mas sim como um espaço onde reina “o mundo das flores, das folhas, dos diferentes legumes, dos tubérculos”, mas também dos cogumelos, dos ovos, do queijo, das algas.
Quando começaram a fazer as primeiras experiências para a carta, conta Avillez, tinham pensado incluir, mesmo que apenas em apontamentos, peixe e carne. Depois, à medida que se iam entusiasmando com o resultado dos testes, decidiram deixar de fora a carne, mantendo, ainda, o peixe e os mariscos. Mais testes e também estes acabaram por sair da carta, dando todo o lugar aos vegetais.
Portanto, o mar, que é uma fonte de inspiração muito importante em todo o trabalho de Avillez, aqui estará presente apenas através das algas, e mesmo estas serão usadas com “delicadeza”, assegura. O desaparecimento da carne e do peixe foi pretexto para aprofundar ainda mais universos tão ricos como os das especiarias ou o dos leites vegetais.
O menu vai sendo adaptado consoante os melhores produtos em cada estação e também, explica Avillez, à medida que os conhecimentos da equipa sobre o mundo dos vegetais vão também evoluindo. Para a estreia, há, por exemplo, um prato que junta sumo de tremoço e azevia de favas e que se inspira na experiência de Avillez “numa cantina familiar em Beirute”, onde lhe serviram tremoço e “favas ainda nas vagens”.
Apesar destas influências – vai haver amendoim satay com paprika e limão, ou húmus, entre outras coisas – a ideia foi “manter uma matriz portuguesa”. Assim, é possível encontrar caldo de feijão, milhos de cebola e queijo da Ilha e combinações que vão do arroz com trufa preta e espinafre com manteiga de ovelha, ao caril verde com legumes verdes e citrinos verdes. Surpreendente promete ser uma das sobremesas, com sorvete de morango, coco e brócolos.
Tal como, recorda, fez há 14 anos no Tavares, quando começou a trabalhar a cavala, ajudando a que este se tornasse um peixe mais valorizado, também no Encanto Avillez se propõe pegar em vegetais tão simples como cenoura, beterraba ou batata-doce e elevá-los a outro patamar, jogando com “cores, sabores e texturas”.
Em alguns casos, o que se encontra será a simplicidade total, enquanto noutros as técnicas de cozinha estarão “ao serviço do produto” – atenção aos trompe l’oeil. O cuidado na apresentação e no empratamento vão lembrar-nos que este é, acima de tudo, um restaurante gastronómico. “Há algum investimento nisso, alguma mise-en-scène, mas nada de exagerado.”
Na parte das bebidas, a ideia é igualmente a de “explorar novos caminhos de descoberta”, pelo que os vinhos biológicos e biodinâmicos, de pouca intervenção, estarão em destaque, ao lado de cervejas artesanais, sumos, infusões e kombuchas caseiros.
Neste “gastronómico que também é vegetariano”, nas palavras de Avillez, “não há qualquer intenção de extremismos ou fundamentalismos”. O que há é o resultado de uma descoberta que o foi fascinando cada vez mais à medida que percebia que mesmo os inicialmente pensados caldos de galinha ou de cabeças de carabineiro, não eram essenciais para dar gosto a ingredientes que já têm um umami próprio. Os doze momentos da refeição prometem, por isso, revelar os vegetais em todo o seu encanto.