Algumas boas notícias, mas com todas as cautelas necessárias. Houve vários sinais nos últimos dias de que pode haver algum tipo de acordo entre a Ucrânia e a Rússia já esta semana, embora não se saiba para já de que tipo de acordo se está a falar (um cessar-fogo ou o fim da guerra?), nem que exigências e condições estão a ser negociadas. Mas os dois países têm estado a falar.
Os sinais positivos:
- Do lado ucraniano, o Presidente Volodimir Zelenskii disse no sábado que passou a haver uma “abordagem fundamentalmente diferente” por parte da Rússia nas negociações dos últimos dias: deixou de haver apenas “ultimatos” da parte de Moscovo
- Também Mykhailo Podlyak, negociador e conselheiro do Presidente ucraniano, disse no domingo que a Rússia passou a falar “de uma forma construtiva” e que se pode alcançar “alguns resultados” nas negociações “numa questão de dias”, mesmo sem “ceder em princípio em nenhuma posição” defendida pelos ucranianos
- Do lado russo, o número dois do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Leonid Slutsky, também disse que “o progresso” nas negociações “pode evoluir nos próximos dias para uma posição conjunta das duas delegações”. Ou seja, que pode surgir uma espécie de acordo
- Já na sexta-feira, o próprio Presidente russo Vladimir Putin falava em “mudanças positivas” nas negociações entre Moscovo e Kiev, apesar de não ter dado detalhes sobre as conversações
O que pode estar em cima da mesa nestas negociações? Recordemos as exigências da Rússia:
- A neutralidade militar da Ucrânia (que deixaria de pedir para aderir à NATO)
- O reconhecimento da Crimeia como parte da Rússia (que a anexou em 2014)
- O reconhecimento da independência das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk (a quem a Rússia reconheceu a independência em Fevereiro)
E as exigências ucranianas:
- A retirada imediata das forças russas
- O direito de a Ucrânia escolher as suas alianças militares internacionais
Em relação à Crimeia, a Donetsk e a Lugansk, o Presidente ucraniano Volodimir Zelenskii disse na semana passada que está disposto a “discutir com a Rússia o futuro” destes territórios, defendendo que devem ser considerados os desejos dos habitantes que querem fazer parte da Rússia e daqueles que devem ser parte da Ucrânia.
Um acordo, seja ele de que tipo for, poderia desbloquear uma situação que, neste momento, não agrada a nenhum dos lados:
- A guerra não está a correr nem a ser tão rápida como Moscovo previa, e a Rússia não teve quaisquer conquistas militares importantes nos últimos dias, olhando para o mapa e para as principais cidades da Ucrânia: a capital Kiev continua em mãos ucranianas, Kharkiv também, Mariupol continua a resistir ao cerco e Odessa ainda está à espera de uma muito temida invasão. Por outro lado, cresce o número de soldados russos mortos: talvez seis mil, segundo os norte-americanos, ou mesmo o dobro, segundo os ucranianos
- Paralelamente, o peso das sanções económicas e financeiras dos países ocidentais, bem como o boicote de dezenas das principais empresas mundiais, ameaça arruinar a Rússia
- Do lado ucraniano, apesar de a resistência à invasão russa ter surpreendido o mundo, a guerra está a ter um custo humano muito pesado, com milhares de civis mortos e milhões de refugiados. Ao mesmo tempo, cresce um sentimento de desilusão em Kiev em relação ao apoio político e militar da Europa e dos Estados Unidos: a NATO não vai envolver-se directamente na guerra se não for obrigada a isso, e a União Europeia não vai oferecer um atalho rápido para a Ucrânia se juntar ao clube
Camiões parados e prateleiras vazias?
Para o resto do mundo, incluindo para Portugal, os custos da guerra também são cada vez mais elevados. Por cá, vamos para o segundo grande aumento do preço dos combustíveis em apenas duas semanas. O gasóleo sobre praticamente 14 cêntimos o litro, a gasolina aumenta cerca de 9 cêntimos. A subida do preço do petróleo por causa da guerra não explica todo o aumento em Portugal (há a questão dos impostos e das margens de lucro das gasolineiras), mas explica quase todo. (Vamos ter um vídeo sobre isso nos próximos dias aqui.)
E para além das dores de cabeça para os portugueses que têm de fazer contas à vida na hora de abastecer o carro e de planear as suas viagens diárias entre a casa, o trabalho ou a universidade, a situação é cada vez mais complicada para as empresas de transporte de mercadorias, com as suas frotas de camiões. A julgar por vários grupos de Facebook destes empresários e trabalhadores, e pelas mensagens que têm circulado pelas redes sociais nos últimos dias, há a possibilidade de protestos com camiões parados ou com estradas cortadas. As suas exigências passam pela redução de impostos sobre os combustíveis (Portugal está a negociar com a Comissão Europeia a descida do IVA, porque depende da aprovação de Bruxelas) e por um apoio financeiro às empresas que já estão com problemas em pagar as contas.
Um protesto das empresas de camiões pode agravar outro problema que, lentamente, já se começa a sentir ao olhar para algumas prateleiras nos supermercados: a falta de alguns produtos. Para já, trata-se sobretudo uma questão de psicologia de massas, como no movimento de pânico, injustificado, que fez esgotar o papel higiénico no início da pandemia. Mas com os camiões parados, sem transportar produtos até às lojas, é algo que se pode tornar real.
Nem paz, nem pão
E há outro problema bem real e que não tem nada de psicológico: os efeitos globais da interrupção do cultivo e do transporte dos cereais da Ucrânia para o resto do mundo. Com o país em guerra, os navios carregados de trigo (a Ucrânia vale 4% do mercado mundial) já não estão a sair dos portos do Mar Negro, e é muito difícil que se façam as sementeiras esta Primavera, pelo que a falta de cereais ucranianos vai durar pelo menos um ano. Cenário parecido ali ao lado, na Rússia, o maior produtor mundial de trigo (10% do mercado global). Com as sanções económicas, a falta de financiamento das empresas e a dificuldade em receber pagamentos do estrangeiro, é certo que o trigo russo também vai escassear.
Portugal é um dos países que importa cereais da Rússia e da Ucrânia, pelo que esta situação pode fazer subir o preço de vários alimentos. Mais complicada é a situação de vários países no Norte de África e no Médio Oriente: só o Egipto importa mais de 80% do seu trigo da Rússia e da Ucrânia, e na Turquia a dependência também é superior a 70%. O que parece ser uma história secundária desta guerra, sem grande importância, é na verdade muito relevante: em 2011, as revoltas da Primavera Árabe tiveram como uma das suas causas o aumento do preço do pão.
Para saber mais sobre este e outros grandes assuntos dos próximos dias, deixamos sugestões de leitura no final desta newsletter. Boa semana.