Gomes Cravinho: aumento da despesa da Defesa já “no próximo programa de governo ou na cimeira da NATO”

Imitar a Alemanha com 2% do PIB para a Defesa? “Obviamente que, quando aumenta a insegurança, tem de aumentar o investimento”, defende Gomes Cravinho, que se mostra disponível para continuar na pasta da Defesa no próximo governo ou mudar para o MNE.

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João Gomes Cravinho em entrevista ao Público/Renascença daniel rocha/PUBLICO

O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, não tem dúvidas de que Portugal, a Europa e a NATO devem reforçar o seu investimento em Defesa face à guerra na Ucrânia. Quantos aos 174 militares que estão em prontidão para partir para a Roménia no final do mês ou início de Abril, admite que esse número venha ainda a aumentar, bem como os meios aéreos e navais.

Disse à RTP, no domingo dia 27, “acreditar num fundo de racionalidade na liderança russa”. Ainda consegue repetir o mesmo?
A guerra não está a correr de acordo com os planos [de Putin] e portanto uma desorientação sentiu-se logo nos primeiros dias e continuamos a sentir. Acreditamos que os planos estão a ser concebidos à medida que os dias vão avançando. Continuamos por descortinar o fundo de racionalidade. Esta aventura é uma aventura que Putin está condenado a perder. Mesmo que tenha sucesso no campo de batalha, não terá capacidade para manter a Ucrânia sob seu controlo. A prazo, isto é uma situação absolutamente desastrosa.

Por causa das sanções?
As sanções têm um impacto muito mais significativo sobre a economia russa do que a maior parte dos comentadores imaginava. Isso fará com que as próprias pessoas pensem se a liderança de Putin está a ser prudente e inteligente. Mas mesmo no campo militar, dentro da Ucrânia, há enormes dificuldades e tenderão a aumentar com o tempo, na medida em que as reservas militares russas são de segundo nível. Putin será obrigado a pôr em campo cada vez mais militares recrutados e não profissionais e obviamente isso origina um desgaste militar muito grande. Antevejo que a situação vai correr muito mal para a Rússia do ponto de vista político, económico e militar.

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Antevê que o território ucraniano vá ser palco de guerra durante muitos anos?
Corre-se o risco de um conflito prolongado e terrível para todos na Europa. Este conflito não se resolverá num futuro breve, a não ser que Putin faça aquilo que não parece muito provável: anunciar um cessar-fogo e começar a retirar as suas forças da Ucrânia.

É a favor de um estatuto especial para a Ucrânia na União Europeia, como o PSD sugeriu?
A urgência do momento não é discutir o longo prazo, qual é o papel da Ucrânia em relação à UE. A entrada na UE é um processo moroso e complexo pela virtude daquilo que significa e, portanto, não vejo que seja possível com uma simples alteração de designação ultrapassar as imensas complexidades técnicas de um processo de adesão. Isto, para não falar do óbvio: requer unanimidade dos 27 Estados-membros e estamos muito longe de ter essa unanimidade. Temos, no entanto, uma unanimidade muito clara em relação à necessidade de apoiar a Ucrânia face à agressão da Rússia.

O Presidente Zelensky já assumiu que a NATO não está preparada para integrar já a Ucrânia. Este recuo traz vantagens para as negociações com a Rússia?
Em 2008, discutiu-se a possível adesão da Ucrânia e da Geórgia e decidiu-se que não havia condições para aderirem e desde então não se tem discutido. Aquilo que Zelensky diz é uma evidência desde 2008. Ao falar da possível adesão da Ucrânia à NATO, Putin criou uma ideia que é completamente fantasiosa e com base nisso justifica o injustificável. O pretexto nunca foi real. Foi uma manobra de propaganda. Se isso [a declaração de Zelensky] é uma maneira de salvar a face do Presidente da Rússia para que ele se retire, tanto melhor.

A Polónia anunciou que vai ceder Migs à Ucrânia. Isso não pode desencadear uma resposta de Putin?
A NATO não é parte deste conflito. Todo o apoio dado à Ucrânia é dado de forma bilateral. Deve-se evitar trazer a NATO para dentro do conflito. Em relação aos Migs, há muitas discussões que importam ter lugar. Não sei se essa doação acabará por ter lugar. Trata-se de uma proposta bilateral e vamos ver se há condições logísticas para fazer com que esse material chegue [à Ucrânia] sem envolver a NATO. O Pentágono, por exemplo, fez um comunicado em que diz julgar não haver condições.

Quantos militares ao certo Portugal pode mandar para a Roménia? São 174 efectivos da companhia de atiradores mecanizada? Este número pode aumentar?
É possível. Estamos numa situação muito dinâmica e vamos acompanhando os pedidos que vão sendo feitos. Neste momento, é essa companhia que está decidida e que irá para o Sul da Roménia, longe da fronteira [com a Ucrânia]. O objectivo é dissuasor, é dizer à Rússia: “Atenção, os países da NATO têm capacidade de reacção e o melhor é não pensar em qualquer tipo de incursão num país da NATO.” Portugal é um aliado solidário e vamos ver, à medida que aparecerem, os novos pedidos de apoio e se temos condições de corresponder.

Há material militar português que foi disponibilizado por Portugal para a Ucrânia. Como é que esse material está a chegar lá?
São capacetes, colete antibala, espingardas, granadas de morteiro. Parte já foi. Temos mecanismos para saber o que se passa com o material até ao momento da sua entrega. Sobre a entrega é uma questão que os russos também têm muita curiosidade em saber e por isso preferia não aprofundar.

Para além disso, estão a ser treinados militares para a NATO Response Force. Fala-se em 1521 militares.
Sim, a NRF é uma força de resposta com vários níveis de prontidão e Portugal faz parte, este ano, da força de maior prontidão. Temos 1049 militares da Marinha, Exército e Força Aérea disponíveis para ir num futuro muito próximo. Estão com uma prontidão de cinco dias. Depois, há um segundo nível, que a partir de dia 12 de Março estará a sete dias de prontidão e que envolve uma segunda fragata, um submarino, meios mais substanciais. Temos seis F16 no primeiro grupo e mais três no segundo grupo. Temos as nossas Forças Armadas num estado de elevada prontidão. Esperamos que não seja necessário empenhar essas forças.

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Portugal está ainda em exercícios na Lituânia. Se for preciso, esses meios serão deslocados?
É independente uma coisa da outra. Neste momento, não temos forças na Lituânia. Está previsto para este ano, mas temos de ir gerindo os planos de acordo com a evolução da situação na Ucrânia e talvez não se venha a realizar esse exercício previsto para a Lituânia.

Já refez o orçamento da Defesa para 2022? Porque vai ter que ser revisto, não é?
Estamos num regime muito especial, de duodécimos. O Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) será apresentado pelo próximo governo e será um orçamento para seis meses. No que toca a 2022, vamos ter de fazer uns ajustes. Já cancelámos algumas despesas e alguns exercícios, gerando poupanças que permitam o novo empenhamento de forças. Quando o OE2022 for apresentado, daqui a mês e meio ou dois meses, provavelmente terá de haver um ajustamento.

De que ajustamento estamos propriamente a falar? Pode falar em números?
Não, nem sequer se será necessário o ajustamento. Acredito que provavelmente será, mas mais pequeno. Agora para 2023, a situação é diferente. 2022 é um ano de revisão da Lei de Programação Militar, que tem uma vigência de 12 anos, mas é revista a cada quatro. Creio que esta situação [de guerra na Ucrânia] terá de se reflectir nos investimentos para as Forças Armadas em 2023 e anos subsequentes.

Podemos chegar ao objectivo de gastar 2% do PIB em Defesa?
O que está previsto é chegarmos a 1,68% em 2024. Vamos ver se as circunstâncias nos permitem.

Depois do anúncio da Alemanha de que vai gastar 2% do PIB, isso não representa uma grande pressão para os outros países europeus?
O anúncio da Alemanha altera de facto o panorama geoestratégico na Europa. Altera também a forma como olhamos para as despesas militares e o contributo que cada país pode dar na UE e na NATO. Admito que seja um gesto de natureza transformativa. Há outros países que já o anunciaram, como a Dinamarca e os países bálticos.

Portugal deve acompanhar também no futuro esse aumento para 2%?
Vai haver uma cimeira da NATO em Junho e penso que esse é o momento adequado para Portugal fazer anúncios de médio e longo prazo, se isso não for já feito no programa de governo do próximo governo. O nosso objectivo de 1,68% do PIB até 2024 terá de ser repensado, senão para 2024, para os anos subsequentes. Obviamente que, quando aumenta a insegurança, tem de aumentar o investimento em segurança.

Disse há poucos dias: “Temos de nos preparar para um mundo diferente.” Diferente em que sentido? Uma maior militarização da NATO?
Uma maior capacidade de nos defendermos enquanto UE e enquanto NATO. Esta crise veio demonstrar aquilo que Portugal tem sempre defendido: que a UE à medida que vai desenvolvendo a sua identidade europeia de Defesa deve fazê-lo de forma complementar e não concorrencial em relação à NATO.

Seria favorável a um exército único europeu?
Mais investimento e cooperação, sim. O termo “exército comum” implica algo que não consideramos apropriado – uma especialização, em que o país A fica com forças de infantaria, o país B desenvolve a sua Força Aérea. Isso não faz sentido. Faz sentido uma concertação cada vez mais intensa, uma interoperabilidade das nossas forças com as outras [forças] europeias e a redução da disparidade de capacidades, pois temos dezenas de carros de combate diferentes na Europa.

Se Portugal aumentar para 2% do PIB a despesa com Defesa, isso significa que pode ser mais de metade do orçamento do Ministério da Educação. Acha que a opinião pública portuguesa está preparada para aceitar esta proporção de números?
Não fiz essas contas. Temos de olhar para o investimento em Defesa de duas maneiras. Primeiro, é um investimento necessário para a nossa segurança. Segundo, as nossas indústrias de Defesa são cada vez mais relevantes e cada vez mais capazes. Uma parte significativa do investimento em Defesa é investimento feito na nossa economia, desde logo, nos salários para os nossos militares e, para além disso, em todo o trabalho de aprontamento de forças e nas indústrias da Defesa, entre as quais as OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal) e o Alfeite.

Parafraseando o PCP, está a dizer que podemos ganhar dinheiro com a guerra?
Não. Seria magnífico viver num mundo em que não há nenhuma necessidade de termos Forças Armadas, mas esse mundo não existe. Sendo assim, vamos ver de que forma o nosso investimento em Defesa pode também gerar retorno para a nossa economia. Cada vez mais, vai gerando retorno.

As indústrias de defesa são aquelas que estão na vanguarda da tecnologia. Empregam pessoas altamente qualificadas, são geradoras de exportações, pode ser benéfico para a nossa economia ter maior investimento em indústrias de defesa e uma das coisas que temos procurado fazer ao longo destes anos é estimular o melhor desenvolvimento das indústrias de defesa. O investimento também tem retorno para a economia. Não pode ser visto apenas como dinheiro que é gasto e que já não pode ser gasto em outro sítio, porque tem efeitos multiplicadores.

Nos últimos anos, a proporção de orçamento da Defesa tem sido de 80% para pessoal, 11% para investimento e apenas 9% para operações. Isto não está errado? Não tem de ser corrigido? Temos pessoas que não são precisas?
Não, não é o caso. Temos um investimento insuficiente em operações e manutenção. Vamos ter de investir mais nesse item, tal como na aquisição de novos equipamentos. O investimento nas Forças Armadas é um investimento que precisa de ser constantemente ajustado de acordo com as necessidades, mas há que ter consciência do que é um navio de grande porte, isto é, demora muito tempo a fazer alterações. Não me posso queixar enquanto ministro da Defesa, tenho tido a atenção por parte do primeiro-ministro e do ministro das Finanças.

Foi só vítima das cativações de Mário Centeno.
Todos nós no Governo somos solidariamente vítimas das cativações.

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O rebentar de uma guerra pode fazer com que se mantenha na pasta da Defesa? Ou mantém vontade de transitar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros?
Ao fim de alguns anos, já estou habituado a não prestar muita atenção às especulações que aparecem. Há uma pessoa que toma decisões sobre essa matéria que é o primeiro-ministro, no momento em que entender. Quanto a esta conjuntura que vivemos, temos Forças Armadas muito organizadas e que permitem ter toda a confiança na continuidade de quem quer que seja o ministro. Temos um programa de governo futuro baseado no programa eleitoral do PS e portanto quanto a isso haverá um elevado grau de continuidade. Mudar ou manter um ministro é uma matéria relativamente secundária.

Neste cargo, sente que tem uma folha de serviço impecável?
O trabalho que tem vindo a ser feito ao longo destes anos é um trabalho que terá continuidade. Estou muito confiante nisso por conhecer bem aquilo que é o programa eleitoral do PS.

Em relação ao seu futuro político, gostaria de se manter neste posto, ou gostava de ir para outros cargos?
Estou disponível para aquilo que o primeiro-ministro entender.

Vê que o Presidente da República possa ser uma força de bloqueio ao seu nome em cargos futuros no governo?
Não, de forma alguma. O Presidente da República exerce as suas funções de uma forma muito coordenada com o Governo. Quando está de acordo, diz que está de acordo. Quando não está de acordo, fala com o primeiro-ministro sobre a matéria. Tudo isto tem uma grande naturalidade e correcção institucional. Não passa por qualquer tipo de reflexão sobre nomes de indivíduos que devem estar aqui ou ali.

Mas houve aqui algum atrito manifesto aquando da nomeação do almirante Gouveia e Melo para chefe de Estado-maior da Armada.
O Presidente da República esclareceu na altura de forma inequívoca aquilo que aconteceu. Houve efectivamente falhas de comunicação. Foram corrigidas e o Governo e o Presidente da República fizeram a concertação necessária para a sucessão que teve lugar na Armada.

Como viu agora o veto do Presidente ao número dois da Armada?
Os lugares cimeiros nas Forças Armadas são objecto de consulta com o Presidente da República. Não houve nenhum tipo de veto, mas uma reflexão sobre quem poderia ser a pessoa ou pessoas mais bem qualificadas para determinadas funções e, nessa matéria, aquilo que é a opinião do Presidente tem grande peso.

Foi a primeira vez que isso ocorreu desde que é ministro da Defesa?
Não, em todas as circunstâncias o Presidente da República é consultado e dá a sua opinião. Depois disso há uma procura do Governo em procurar um consenso.

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