A ajuda económica da China à Rússia é possível, mas tem limites
Sem acesso aos mercados do Ocidente, a Rússia tem na China a alternativa mais credível e, até ver, mais disponível para ajudar. Mas no curto prazo será difícil ao gigante chinês compensar totalmente o efeito das sanções aplicadas à Rússia pela UE e pelos EUA.
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Com as grandes potências ocidentais a pressionarem a Rússia com sanções comerciais e financeiras de uma dimensão inédita, Putin tem na China talvez a sua única bóia de salvação para evitar um colapso da economia. O gigante asiático constitui realmente uma alternativa credível numa altura em que as relações da Rússia com o Ocidente estão quase totalmente fechadas, mas a dimensão da ajuda que Pequim pode (e quer) dar é, contudo, limitada no curto prazo.
Para Moscovo, recorrer ao apoio económico da China parece neste momento uma inevitabilidade. Sanções económicas como o fecho de uma parte importante das relações comerciais, o bloqueio do acesso de vários bancos ao sistema SWIFT ou o congelamento da maioria das reservas de divisas estrangeiras do banco central já provocaram uma queda de quase um terço do valor do rublo nos mercados cambiais e ameaçam criar um cenário de recessão, inflação e corrida aos bancos na Rússia.
Vladimir Putin e o seu Governo precisam rapidamente de encontrar uma alternativa a estas relações cortadas com o Ocidente. Para já, como seria de esperar, tentam passar uma mensagem de confiança. “Isto não significa que a Rússia esteja isolada. O mundo é demasiado grande para a Europa e a América isolarem um país, ainda mais um país tão grande como a Rússia. Há muitos mais países no mundo”, afirmou este sábado um porta-voz do Kremlin.
O problema para a Rússia é que, dos vários países do mundo, a lista daqueles que estão disponíveis para ajudar e, ao mesmo tempo, têm uma dimensão suficiente para se poder pensar que estão à altura da tarefa resume-se a um: a China.
Substituição difícil no imediato
Há vários sinais de que existe alguma disponibilidade de Pequim para providenciar apoio económico a Moscovo. Apenas duas semanas antes do início da guerra, à margem da visita de Vladimir Putin à China para assistir aos Jogos Olímpicos de Inverno, os dois países assinaram 15 acordos de cooperação económica e financeira.
Particularmente importantes foram os novos contratos de fornecimento assinados entre a China e as empresas de energia russa Gazprom e Rosneft e o fim das restrições que eram até agora impostas às vendas de cereais russos na China.
Estes dois acordos abrem as portas a que se intensifique o comércio entre os dois países, precisamente em áreas em que a dependência russa face à Europa é muito significativa.
No entanto, alertam os analistas, transferir para a China as importações e principalmente as exportações que realizava até agora com a Europa é algo que, na prática, é muito difícil de concretizar rapidamente, em especial se o Ocidente der o passo que falta nas sanções, que é o de deixar de comprar gás natural e petróleo à Rússia.
“As importações europeias de gás natural à Rússia são muito grandes e não podem ser imediatamente substituídas pela China, especialmente devido à capacidade dos gasodutos actualmente instalada entre os dois países”, escreveu esta semana no think tank Bruegel a economista Alicia Garcia Herrero.
Em Janeiro, a Gazprom anunciou que, em conjunto com a China, iria começar a construir uma segunda ligação através da Sibéria, que permitiria, dentro de dois a três anos, que a Rússia enviasse mais 50 milhares de milhões de metros cúbicos de gás natural para a China por ano. No entanto, escreve a investigadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais Yang Jiang, “em comparação, a Rússia exporta entre 150 e 190 milhares de milhões de metros cúbicos de gás natural para a Europa todos os anos”. “Se a Europa conseguir encontrar outros fornecedores de gás que não a Rússia, a Rússia precisará de encontrar compradores potenciais para além da China”, afirma.
No total do comércio, a UE superava, até agora, claramente a China como parceira da Rússia, especialmente no que diz respeito às compras que realizava de energia e alimentos, mas também na venda de tecnologia de alta qualidade, que pode também ser difícil de encontrar rapidamente na China.
Yuan como alternativa
A nível financeiro, a Rússia enfrenta neste momento dificuldades em ter divisas estrangeiras suficientes para comprar produtos no estrangeiro e defender o valor do rublo, os bancos não conseguem utilizar o sistema de mensagens SWIFT para facilitar os pagamentos e o acesso ao financiamento vindo do Ocidente ficou cortado.
A China, também aqui, pode ajudar, mas de forma limitada. O comércio entre a China e a Rússia pode passar a ser feito na sua totalidade utilizando o yuan. Isso significaria que Moscovo poderia começar a ter na divisa chinesa o principal activo nas suas reservas. Neste momento, o yuan representa 13,1% dos activos do banco central russo, contra 32,3% do euro e 16,4% do dólar.
No entanto, o yuan não é, neste momento, uma divisa totalmente convertível nos mercados internacionais e apenas representa, neste momento, cerca de 3% dos pagamentos feitos globalmente, o que revela a fragilidade desta alternativa para a Rússia.
No que diz respeito ao sistema SWIFT, a China tem o seu próprio sistema de mensagens, o CIPS, que eventualmente os bancos russos podem também começar a usar. Mas, mais uma vez, a escala desta alternativa é bastante reduzida. Neste momento, o CIPS tem 75 participantes directos, contra cerca de 11 mil do SWIFT, incluindo 300 instituições financeiras russas.
Ao nível do financiamento à economia russa, a China tem a possibilidade de dar um contributo importante, tal como, aliás, já o tem feito nas últimas duas décadas. No entanto, a concessão de empréstimos pode ficar limitada a entidades públicas chinesas como o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco da China para as Importações e Exportações, que estão pouco expostos a eventual sanções que possam vir do Ocidente, ao contrário do que acontece com os bancos comerciais chineses.
Os cálculos de Pequim
Depois, para além das limitações de ordem prática, falta ainda saber até que ponto é que a China, do ponto de vista económico, se quer mesmo comprometer com um apoio muito significativo à Rússia.
A China tem certamente interesse em poder comprar mais produtos energéticos e alimentares à Rússia, principalmente se estes forem vendidos com um desconto face aos máximos históricos que se registam actualmente nos mercados internacionais.
E poderá também ver com agrado um reforço da aliança com a Rússia, ainda para mais numa situação de completo ascendente sobre Moscovo, numa altura em que a grande aposta é a disputa da liderança económica global com os EUA.
As dúvidas em Pequim podem surgir porque, a par daquilo que há a ganhar com o apoio à Rússia, vêm também riscos de fortes perdas para a China, em particular num cenário em que a ajuda à Rússia resulte numa deterioração das relações económicas da China com os EUA e com a Europa, que é o principal destino das suas exportações.
Como escreveu a directora do departamento do Stimson Center dedicado à China, Yun Sun, “a China quer obter um alinhamento e apoio da Rússia nesta era de competição estratégica com os EUA, mas, quando os custos práticos desse alinhamento superarem os seus benefícios, Pequim irá ter de reconsiderar”.
Yang Jiang prevê que “a China possa ter o cuidado de, primeiro, observar os impactos das sanções tecnológicas e financeiras na Rússia, para que possa melhor avaliar os riscos e estar preparada para um cenário desse tipo na sua própria casa”. Para além disso, assinala, “uma escalada ou um prolongamento do conflito na Ucrânia pode trazer o caos aos mercados de capitais, às cadeias de fornecimento e à economia global como um todo, e isto não é o que China deseja ver, numa altura em que a recuperação pós-covid é muito necessária e numa altura em que a China está numa encruzilhada decisiva da reestruturação da sua economia”.