Quem é Roman Abramovich, o russo que foi convidado a sentar-se com os ucranianos?
Muito rico, próximo de Putin, mas com pouco interesse na escalada de um conflito e com raízes na Ucrânia. Roman Abramovich é um nome bem conhecido cujo percurso, do qual pouco se sabe, gera mais perguntas do que respostas.
Foi convidado para estar à mesa das negociações entre a Ucrânia e a Rússia esta segunda-feira: não é militar nem um político proeminente (ainda que tenha feito carreira na política russa), não reside nem na Rússia nem na Ucrânia (a residência actual será em Telavive, Israel) e soma nacionalidades. Além de possuir o passaporte russo, tem nacionalidade israelita, lituana e, espante-se, portuguesa, o que garantiu a Roman Abramovich o acesso ao ambicionado passaporte europeu, que lhe permite movimentar-se com total liberdade entre os Estados-membros.
Em Portugal, Abramovich naturalizou-se ao abrigo da Lei da Nacionalidade como judeu sefardita, em 2021, algo que levantou várias questões, uma vez que as origens de Abramovich estão envoltas numa névoa, que apenas a Wikipédia, com todas as suas limitações de credibilidade, clarifica.
O que se sabe que estará correcto: nasceu a 24 de Outubro de 1966, em Saratov, na ex-URSS, e perdeu ambos os pais quando ainda não tinha completado 3 anos: a mãe morreu, com problemas numa segunda gravidez, quando Roman ainda não tinha 1 ano; o pai, cerca de ano e meio depois, não resistiu aos ferimentos sofridos num acidente de uma obra que supervisionava. Nessa altura, Roman morava com a avó paterna na inóspita República de Komi, no Norte da Rússia, mas acabaria por ser adoptado por um tio.
No que diz respeito à sua árvore genealógica, escasseiam as provas, mas segundo informações não verificadas, a sua linhagem cruza-se com a Ucrânia, de onde os seus avós maternos terão fugido quando começou a Segunda Guerra Mundial (a mãe de Roman tinha, então, apenas 3 anos). Do lado do pai, os avós, de origem judia, terão trocado a Bielorrússia pela Lituânia, mas a chegada dos soviéticos, em 1940, obrigou a separação da família, enviada para a Sibéria por ter sido classificada de “anti-soviética, criminosa e socialmente perigosa”, como tantos outros. O avô morreria dois anos depois.
Sobre como os pais se conheceram ou como terão sido os seus primeiros anos de vida pouco se sabe. Apenas se tem a indicação de que ingressou na faculdade, mas que desistiu de dois cursos, algo que não negou. Já o seu empreendedorismo não tinha limites: consta que o primeiro dinheiro que faz a sério é com gasolina roubada que vendia a oficiais do Exército. Depois, percebe que pode fazer dinheiro a vender artigos proibidos ou de difícil comercialização: patos de borracha, perfumes, desodorizantes… É com o mercado negro que começa a crescer, sobretudo depois de se aventurar no fabrico de brinquedos de plástico ou de componentes de borracha para automóveis.
De órfão a oligarca
Assim, o pequeno órfão acabaria por se transformar num dos homens mais ricos do mundo (e chegou mesmo a ser classificado como o mais rico da Rússia). Só que dos patos de borracha ao estatuto de multimilionário é difícil perceber exactamente o que aconteceu. O que se sabe é que chegou a ser acusado de roubar o Estado e passou algum tempo detido, em 1992. Um acordo, porém, acabou por arquivar o caso.
É, aliás, por esta altura, depois da queda do Muro de Berlim e com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que Abramovich teve a sua oportunidade de enriquecer, vendendo commodities, matérias-primas essenciais de baixo nível de industrialização, como o petróleo, o trigo, o ferro, cobre ou até café. Onde as foi arranjar? É aí que entra a suspeita de ter roubado ao Estado, mas, em 1992, o então Presidente russo Boris Ieltsin terá talvez percebido que ganharia mais em ter Abramovich a jogar na mesma equipa.
Após o fim do regime soviético, Abramovich, que era um comerciante, foi apresentado a Boris Ieltsin, o primeiro Presidente da Rússia após o colapso da URSS, por Boris Berezovsky, outro oligarca que fez fortuna com a abertura do mercado russo e sob a bênção presidencial.
Mas voltemos a Abramovich e a Ieltsin: o primeiro foi um dos homens escolhidos para assumir antigas empresas estatais por uma ninharia; o segundo contou com o apoio financeiro de vários oligarcas que ajudou a crescer de forma a cimentar a sua difícil posição de ser o primeiro presidente de uma Rússia que acabara de perder a sua posição central na geopolítica mundial.
No caso de Abramovich, o nome está ligado à criação, desenvolvimento e alienação de mais de duas dezenas de empresas dos mais diferentes ramos. E, em 1995, junta-se a Berezovsky e assume o controlo da Sibneft, ao abrigo de um programa estatal que promoveu as privatizações.
Paralelamente, há outro nome que começa a crescer na cena russa: Vladimir Putin, depois de ter assumido a direcção do Serviço Federal de Segurança, sucede a Ieltsin, em 1999. E as mudanças não tardaram. Com Putin, o discurso nacionalista sobe de tom e as tensões internacionais regressam com fulgor.
Internamente, Putin divide opiniões quando ataca a Tchetchénia, acusando os separatistas de terrorismo e decreta que a indicação de governadores nas várias regiões do país passa a ser decidida por si. E quem se lhe opõe não tem um final feliz: a jornalista Anna Politkovskaia, que denunciou crimes de guerra na Tchetchénia, ou Alexander Litvinenko, que se especializou no combate ao crime organizado, por exemplo, morreram em circunstâncias não esclarecidas, mas que levantaram várias suspeitas. A primeira foi morta no elevador do prédio que habitava em Moscovo, com cinco tiros de pistola, a 7 de Outubro de 2006; o segundo foi envenenado.
Presidente da discórdia
Com Putin no poder, entre os oligarcas, reina um clima tenso. E, enquanto Abramovich fecha os olhos, Berezovsky critica abertamente o actual Presidente Vladimir Putin, o que lhe valeu uma ordem de prisão (acabaria por conseguir o exílio no Reino Unido; dez anos depois, foi encontrado morto, aos 67 anos — a investigação inicialmente concluiu que se tratara de um suicídio, mas em 2021 surgiram novas evidências que provaram o homicídio).
Antes, porém, levantou um pouco do véu sobre a relação do dono do Chelsea e Putin. Num livro, assinado por si e contestado pelo seu antigo amigo e sócio, Berezovsky descreve que a proximidade entre Abramovich e Putin era tanta que o primeiro chegou a oferecer um iate ao Presidente russo como presente de aniversário. E, entre 2000 e 2008, assumiu o papel de governador da região árctica de Chukotka, no extremo leste do território russo, integrando assim o restrito grupo de confiança de Putin.
Roman Abramovich ocupa actualmente o 142.º lugar da lista dos mais ricos da Forbes e, para além do Chelsea, tem participações no grupo multinacional de aço Evraz e na produtora de metais Norilsk Nickel. Entre o património, destaca-se o segundo maior iate do mundo, o Eclipse, jactos privados e personalizados, casas em todo o mundo, inclusive uma que vale mais de cem milhões de euros numa das áreas mais ricas de Londres e o Château de la Croë, uma mansão na Côte d’Azur, com vista para o Mediterrâneo e história real: foi um retiro de Verão para o duque e duquesa de Windsor. Abramovich dedica-se igualmente a investir em arte e a sua colecção é, assim como ele, multimilionária. Sobre a sua vida pessoal, soma três casamentos e igual número de divórcios. Tem sete filhos.
Hoje, Abramovich, que, no último sábado, cedeu a sua liderança à frente dos destinos do Chelsea aos administradores da sua fundação, foi chamado a integrar uma conversa que deixou o mundo em suspenso. Da reunião não saiu uma solução, mas também nenhuma porta foi definitivamente fechada, já que foi anunciada uma nova ronda de negociações. Resta saber se a presença anunciada (mas não confirmada) de Roman Abramovich vai acalmar o discurso de Putin ou incendiar ainda mais a fúria do Presidente russo, ao ver um parceiro sentado do outro lado da mesa.
Texto actualizado para reflectir o facto de não ter sido confirmada a presença de Abramovich na reunião realizada nesta segunda-feira entre os representantes da Rússia e da Ucrânia.