Kiev vai resistindo ao invasor russo, que diz ter capturado Melitopol

Forças ucranianas conseguiram repelir múltiplos ataques russos durante a noite na capital. Exército da Rússia garante que conquistou cidade no sudeste da Ucrânia.

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Kiev transformou-se num palco de guerra urbana VALENTYN OGIRENKO/Reuters

Esperava-se uma longa e dura noite de combates em Kiev e foi precisamente isso que aconteceu nas últimas horas de sexta-feira e nas primeiras deste sábado. Mas, ao contrário das perspectivas russas, que esperavam já ter conseguido conquistar ou, pelo menos, obter a sua rendição, a capital da Ucrânia ainda se encontra, por enquanto, nas mãos das suas Forças Armadas.

“Estamos a travar a horda [russa] usando todos os meios disponíveis. Os soldados do Exército e os cidadãos controlam Kiev”, assegurou neste sábado de manhã Oleksii Danilov, secretário do Conselho de Segurança Nacional e de Defesa da Ucrânia, ao site Lb.ua, citado pelo Guardian.

“Há imensas informações falsas online [que dizem que] pedi ao nosso Exército para depor as armas e que há uma evacuação. Estou aqui. Não vamos depor as armas. Vamos defender o nosso Estado”, corroborou o Presidente Volodimir Zelensky, num vídeo publicado em que se filmou nas ruas de Kiev.

Atacada em várias frentes, a capital deixou de ser apenas um alvo de bombardeamentos e ataques com mísseis e artilharia e é agora um palco de guerra urbana, travada nas ruas, nas principais vias de acesso ao centro da cidade, nos aeroportos e noutras infra-estruturas importantes localizadas nos arredores de Kiev.

As autoridades estão a passar vídeos e anúncios nos meios de comunicação a ensinar os residentes a fabricarem bombas caseiras e estão a recrutar todos aqueles que quiserem aderir ao Exército.

Entre as imagens mais impactantes que chegaram com a madrugada, destaca-se uma que mostra o impacto de míssil num prédio residencial.

Muitos dos que ainda não fugiram da capital nas últimas horas refugiaram-se durante a noite em abrigos e em estações de metro subterrâneas.

Segundo a agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 120 mil abandonaram, nos últimos dias, o território ucraniano, dirigindo-se aos países vizinhos como a Polónia, a Moldova, a Roménia, a Eslováquia ou a Hungria. O Governo polaco diz que, só no seu território, entraram cerca de 100 mil ucranianos.

Já o número total de vítimas, ainda é, naturalmente, desconhecido. A contagem oficial das autoridades ucranianas, que se reporta ao país inteiro, aponta para 198 mortos – incluindo três crianças –, e 1115 feridos.

Do lado russo não há qualquer contabilização oficial. Os ucranianos falam, no entanto, em mais de mil soldados mortos; mas a guerra da desinformação e da descredibilização do adversário também se trava a toda a hora. Os problemas de ligação à Internet verificados nas últimas horas nas regiões sul e leste da Ucrânia contribuirão, seguramente, para o agravamento deste combate mediático.

Noutros pontos da Ucrânia a situação também é grave, com avanços de tropas russas em diferentes pontos e regiões de cidades como Chernihiv, Sumy, Kharkiv, Odessa, Kherson ou Mikolaiv.

Segundo a agência russa Interfax, que cita o Ministério da Defesa da Rússia, o Exército russo assumiu neste sábado o controlo da sua primeira cidade importante da Ucrânia desde o início da invasão. Trata-se de Melitopol, com cerca de 150 mil habitantes, localizada no Sudeste do país, próxima da Crimeia.

O cerco a Melitopol começou logo na quinta-feira e contou com o apoio de navios de guerra russos, mobilizados no Mar Negro.

James Heappey, secretário de Estado da Defesa britânico, lançou, no entanto, dúvidas sobre esta conquista e defendeu que a Rússia está a falhar todos os objectivos militares que tinha definido para os primeiros dias desta operação.

“Até em Melitopol, que os russos dizem que conquistaram, não conseguimos ver nada de substancial; ainda está em mãos ucranianas”, disse à BBC.

Mas os residentes de Melitopol parecem confirmar a conquista, partilhando fotografias nas redes sociais que mostram uma bandeira russa hasteada numa das principais esquadras da polícia da cidade.

“Drogados e neo-nazis”

Esta demonstração da aparente capacidade de resistência dos soldados ucranianos em Kiev é uma importante mensagem que Zelensky e o Ministério da Defesa procuram passar às unidades que combatem noutros pontos do território, tendo em conta os apelos de Vladimir Putin para que as tropas ucranianas derrubem a sua própria liderança política – e expulsem os “drogados e neo-nazis” que a compõem, nas palavras do Presidente da Rússia –, em troca de paz e protecção russa.

Ao mesmo tempo, o Kremlin também propõe ao Governo ucraniano que se iniciem as negociações para um cessar-fogo e Sergii Nikiforov, porta-voz de Zelensky, deu conta da disponibilidade de Kiev para esses encontros.

A Rússia exige, porém, que as negociações tenham lugar em Minsk, na Bielorrússia – aliada dos russos – e que sirvam para a Ucrânia se comprometer a “desmilitarizar-se”, a abdicar de um pedido de adesão à NATO e a assumir-se como “Estado neutral”. Condições que dificilmente serão aceites pelo Presidente ucraniano, que até já revelou pormenores sobre os planos de Moscovo para o assassinar.

“Agora vemos Moscovo sugerir diplomacia no cano de uma espingarda, ou com os seus rockets, morteiros e artilharia a alvejarem a população ucraniana. Isto não é verdadeira diplomacia”, criticou Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.

Na sexta-feira, a Rússia também já tinha ameaçado a Finlândia e a Suécia com “sérias repercussões políticas e militares” caso os dois países nórdicos decidam aderir à NATO. O aviso foi feito pelo Kremlin depois de o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, ter convidado as duas nações para participarem como observadores na última reunião extraordinária da organização.

Certo é que, independentemente da maior ou menor capacidade demonstrada pela Federação Russa para cumprir os seus objectivos militares na Ucrânia, o Exército ucraniano diz que precisa urgentemente de ajuda.

Zelensky, que tinha criticado a NATO e os países ocidentais por terem deixado a Ucrânia a defender-se “sozinha”, neste sábado já se mostrava mais aliviado pela ajuda material e financeira que lhe foi prometida por EUA, Reino Unido, França e Alemanha.

Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, anunciou que o Departamento de Estado norte-americano vai direccionar até 250 milhões de dólares (222 milhões de euros) em ajuda geral à Ucrânia e até 350 milhões de dólares (310,5 milhões de euros) em “artigos e serviços de Defesa”, incluindo educação e treino militar.

Os EUA juntaram-se ainda à UE, ao Reino Unido e ao Canadá, na promessa de imposição de sanções ao Presidente Putin e ao ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov. A medida da UE – que é sobretudo simbólica – implica o congelamento dos bens financeiros dos dois dirigentes políticos russos nos seus Estados membros.

Em aberto continua a possibilidade de os países ocidentais avançarem para a exclusão da Rússia do sistema global de comunicações bancárias e financeiras SWIFT.

No que à diplomacia diz respeito, as últimas horas ficaram marcadas pelo bloqueio, esperado, de Moscovo a uma resolução apresentada no Conselho de Segurança das Nações Unidas – onde a Rússia é um dos cinco membros permanentes – que condenava a agressão militar russa à Ucrânia.

A China, que não condenou a invasão russa e que tem apelado insistentemente ao diálogo, absteve-se. Tal como a Índia e os Emirados Árabes Unidos. Os restantes 11 membros votaram a favor da moção, mas o poder de veto russo deitou por terra quaisquer possibilidades de sucesso da iniciativa.

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