Kiev, cidade em guerra: “Mamã, vamos morrer?”

Situação em Kiev é, “sem exagerar, ameaçadora”, afirmou o presidente da câmara da capital, que antevia uma madrugada de sábado muito difícil. “Como podemos estar a viver isto no nosso tempo? Putin devia arder no Inferno”, exclamava uma habitante da cidade, obrigada a fugir para um bunker com os filhos.

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Prédio atingido por uma explosão na capital ucraniana SERGEY DOLZHENKO/EPA

O presidente da câmara de Kiev, Vitaliy Klitschko, reconhecia esta sexta-feira que a situação na capital ucraniana é, “sem exagerar, ameaçadora” e que a madrugada deste sábado vai ser muito difícil porque as tropas russas estão próximas. O Governo russo anunciou que as suas forças haviam tomado o controlo do aeroporto militar de Hostomel, 35 quilómetros a norte de Kiev, base para um ataque sobre a capital e o objectivo de derrubar o Presidente Volodimir Zelensky.

“Ouvem-se tiros e explosões em alguns bairros. Sabotadores já entraram em Kiev”, afirmou Klitschko, citado pela Reuters. Numa mensagem publicada no Telegram, o presidente da câmara referiu que há equipas de segurança em todas as pontes de Kiev, tentando evitar que sejam alvo desses “sabotadores”.

Pelo segundo dia consecutivo, as sirenes de raides aéreos ecoaram pela cidade, recuperando memórias de tempos idos que poucos acreditariam voltar a ouvir na Europa do pós-Guerra Fria.

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“Como podemos estar a viver isto no nosso tempo? Putin devia arder no Inferno com toda a sua família”, exclamava Oxana Gulenko, varrendo os vidros quebrados das janelas, num prédio de dez andares junto ao aeroporto.

Ela não estava, quando aconteceu, escondida num abrigo de bombas por baixo de um dos prédios do bairro, para onde fugiram centenas depois do aviso televisivo de bombardeamentos aéreos.

“As crianças estão apavoradas, choram e perguntam ‘mamã, vamos morrer?’”, conta Alla, uma mulher de 40 anos, à repórter da Reuters.

Em Kiev, uma criança senta-se num baloiço em frente a um prédio residencial destruído após a Rússia ter iniciado uma operação militar massiva contra a Ucrânia Reuters/UMIT BEKTAS
Uma mulher e o seu filho observam a rua a partir de um comboio de evacuação que se desloca de Kiev para Lviv Reuters/UMIT BEKTAS
Uma mulher e os seus três filhos passam a fronteira com a Polónia, de forma a fugir à violência na Ucrânia Reuters/BRYAN WOOLSTON
Adultos e crianças passam, a pé, a fronteira entre a Polónia e a Ucrânia Reuters/KACPER PEMPEL
Adultos e crianças chegam à Roménia vindos da Ucrânia Reuters/FEDJA GRULOVIC
Crianças chegam à Roménia vindas da Ucrânia Reuters/FEDJA GRULOVIC
Na Hungria, uma mulher e algumas crianças esperam na estação de comboios, à medida que vão chegando mais pessoas da Ucrânia Reuters/BERNADETT SZABO
Crianças da autoproclamada República Popular de Donetsk brincam num centro de alojamento temporário em Novocherkassk, na região de Rostov, na Rússia EPA/YURI KOCHETKOV
Refugiados da autoproclamada República Popular de Donetsk descansam num centro de alojamento temporário em Novocherkassk, na região de Rostov, na Rússia EPA/YURI KOCHETKOV
Em Kiev, algumas pessoas passam ao lado do local onde caiu um míssil Reuters/VALENTYN OGIRENKO
Pessoas aguardam numa estação de metro, em Kiev, na Ucrânia Reuters/VALENTYN OGIRENKO
Pessoas aguardam numa estação de metro, em Kiev, na Ucrânia Reuters/VALENTYN OGIRENKO
Pessoas abrigam-se numa estação de metro em Kiev, na Ucrânia Reuters/VIACHESLAV RATYNSKYI
Moradores apressam-se a entrar num abrigo antibombas enquanto se ouve um alerta aéreo em Kiev, na Ucrânia Reuters/GLEB GARANICH
Algumas pessoas chegam à estação central de comboios de Kiev, prontas para para embarcar num comboio de evacuação para Lviv, na Ucrânia Reuters/UMIT BEKTAS
Pessoas esperam para embarcar num comboio de evacuação de Kiev para Lviv na estação central de comboios da capital ucraniana Reuters/UMIT BEKTAS
Pessoas esperam para embarcar num comboio de evacuação de Kiev para Lviv na estação central de comboios da capital ucraniana Reuters/UMIT BEKTAS
Passageiros, incluindo pessoas evacuadas das cidades de Summi e Kiev, acabam de chegar a Lviv, na Ucrânia, e caminham ao longo da plataforma da estação ferroviária Reuters/PAVLO PALAMARCHUK
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Em Kiev, uma criança senta-se num baloiço em frente a um prédio residencial destruído após a Rússia ter iniciado uma operação militar massiva contra a Ucrânia Reuters/UMIT BEKTAS

O Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, denunciou os bombardeamentos russos que atingem zonas civis, “terríveis explosões” que nunca se tinham visto desde a II Guerra Mundial. “A última vez que a nossa capital experimentou algo assim foi em 1941, quando foi atacada pela Alemanha nazi”, disse por seu lado o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitro Kuleba.

Tentativa de fuga

Na estação, milhares buscavam forma de embarcar para fugir da cidade, muitos não conseguiam. Maria, de 30 anos, o marido, o filho e o cão, estavam ali desde manhã sem conseguir arranjar espaço nalgum comboio, sem sucesso.

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“É perigoso furar uma multidão com uma criança. O cão tem medo. Para ser sincera, estamos exaustos”, contava.

“Os civis estão aterrorizados com uma possível escalada do conflito”, disse, em conferência de imprensa em Genebra a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Muitos deles estão a tentar deixar as suas casas e a refugiarem-se da melhor forma possível”, acrescentou, Ravina Shamdasani.

O Governo ucraniano actualizou esta sexta-feira o balanço dos mortos desde a invasão para 137, total aquém do real, porque, como referiu Shamdasani, “há uma guerra de informações” e como andam a circular muitas mentiras é difícil contabilizar o número exacto. Há também notícias de que os jornalistas estão a ser impedidos de trabalhar na zona de conflito, o que dificulta ainda mais o apuramento da verdade.

No meio do medo do ruído dos tiros e das explosões, a história dos heróis da ilha da Cobra (Zmiinyi) – os 13 soldados ucranianos que mandaram o navio de guerra russo “levar no traseiro” e morreram de armas na mão vão ser condecorados post mortem como heróis da Ucrânia pela sua bravura, anunciou o Presidente Volodimir Zelensky – e dos milhares que se apresentam para ajudar na resistência, dão alento e orgulho aos ucranianos abalados por uma invasão que parecia impensável, mesmo depois do que se passou na Crimeia em 2014.

Na estação de comboios, mesmo no desespero de uma multidão de milhares de pessoas que procuravam arranjar um bilhete de saída de uma cidade atacada, as palmas de entusiasmo soaram quando um esquadrão de soldados passou por ali e ecoou de forma emocionada esse grito de “Glória à Ucrânia!”, a que os militares responderam com um “Glória aos heróis!”, a resposta tradicional nestes casos.

“É importantes que toda a gente mantenha um espírito forte. Esta é a nossa terra. Não desistiremos”, escreveu no Facebook a vice-ministra da Defesa ucraniana, Ganna Malyar. “Como é que se empreende uma guerra contra um povo pacífico”, perguntava incrédula Viktoria, de 35 anos, à jornalista da Reuters. A seu lado, dormiam em cima dos seus casacos de Inverno os seus filhos de cinco e sete anos.

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