Kiev, cidade em guerra: “Mamã, vamos morrer?”
Situação em Kiev é, “sem exagerar, ameaçadora”, afirmou o presidente da câmara da capital, que antevia uma madrugada de sábado muito difícil. “Como podemos estar a viver isto no nosso tempo? Putin devia arder no Inferno”, exclamava uma habitante da cidade, obrigada a fugir para um bunker com os filhos.
O presidente da câmara de Kiev, Vitaliy Klitschko, reconhecia esta sexta-feira que a situação na capital ucraniana é, “sem exagerar, ameaçadora” e que a madrugada deste sábado vai ser muito difícil porque as tropas russas estão próximas. O Governo russo anunciou que as suas forças haviam tomado o controlo do aeroporto militar de Hostomel, 35 quilómetros a norte de Kiev, base para um ataque sobre a capital e o objectivo de derrubar o Presidente Volodimir Zelensky.
“Ouvem-se tiros e explosões em alguns bairros. Sabotadores já entraram em Kiev”, afirmou Klitschko, citado pela Reuters. Numa mensagem publicada no Telegram, o presidente da câmara referiu que há equipas de segurança em todas as pontes de Kiev, tentando evitar que sejam alvo desses “sabotadores”.
Pelo segundo dia consecutivo, as sirenes de raides aéreos ecoaram pela cidade, recuperando memórias de tempos idos que poucos acreditariam voltar a ouvir na Europa do pós-Guerra Fria.
“Como podemos estar a viver isto no nosso tempo? Putin devia arder no Inferno com toda a sua família”, exclamava Oxana Gulenko, varrendo os vidros quebrados das janelas, num prédio de dez andares junto ao aeroporto.
Ela não estava, quando aconteceu, escondida num abrigo de bombas por baixo de um dos prédios do bairro, para onde fugiram centenas depois do aviso televisivo de bombardeamentos aéreos.
“As crianças estão apavoradas, choram e perguntam ‘mamã, vamos morrer?’”, conta Alla, uma mulher de 40 anos, à repórter da Reuters.
O Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, denunciou os bombardeamentos russos que atingem zonas civis, “terríveis explosões” que nunca se tinham visto desde a II Guerra Mundial. “A última vez que a nossa capital experimentou algo assim foi em 1941, quando foi atacada pela Alemanha nazi”, disse por seu lado o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmitro Kuleba.
Tentativa de fuga
Na estação, milhares buscavam forma de embarcar para fugir da cidade, muitos não conseguiam. Maria, de 30 anos, o marido, o filho e o cão, estavam ali desde manhã sem conseguir arranjar espaço nalgum comboio, sem sucesso.
“É perigoso furar uma multidão com uma criança. O cão tem medo. Para ser sincera, estamos exaustos”, contava.
“Os civis estão aterrorizados com uma possível escalada do conflito”, disse, em conferência de imprensa em Genebra a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Muitos deles estão a tentar deixar as suas casas e a refugiarem-se da melhor forma possível”, acrescentou, Ravina Shamdasani.
O Governo ucraniano actualizou esta sexta-feira o balanço dos mortos desde a invasão para 137, total aquém do real, porque, como referiu Shamdasani, “há uma guerra de informações” e como andam a circular muitas mentiras é difícil contabilizar o número exacto. Há também notícias de que os jornalistas estão a ser impedidos de trabalhar na zona de conflito, o que dificulta ainda mais o apuramento da verdade.
No meio do medo do ruído dos tiros e das explosões, a história dos heróis da ilha da Cobra (Zmiinyi) – os 13 soldados ucranianos que mandaram o navio de guerra russo “levar no traseiro” e morreram de armas na mão vão ser condecorados post mortem como heróis da Ucrânia pela sua bravura, anunciou o Presidente Volodimir Zelensky – e dos milhares que se apresentam para ajudar na resistência, dão alento e orgulho aos ucranianos abalados por uma invasão que parecia impensável, mesmo depois do que se passou na Crimeia em 2014.
Na estação de comboios, mesmo no desespero de uma multidão de milhares de pessoas que procuravam arranjar um bilhete de saída de uma cidade atacada, as palmas de entusiasmo soaram quando um esquadrão de soldados passou por ali e ecoou de forma emocionada esse grito de “Glória à Ucrânia!”, a que os militares responderam com um “Glória aos heróis!”, a resposta tradicional nestes casos.
“É importantes que toda a gente mantenha um espírito forte. Esta é a nossa terra. Não desistiremos”, escreveu no Facebook a vice-ministra da Defesa ucraniana, Ganna Malyar. “Como é que se empreende uma guerra contra um povo pacífico”, perguntava incrédula Viktoria, de 35 anos, à jornalista da Reuters. A seu lado, dormiam em cima dos seus casacos de Inverno os seus filhos de cinco e sete anos.